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Riqueza natural e pobreza vocacional: as desigualdades no nosso futebol

Para os observadores mais imediatistas, informo: a coluna não mudou de editoria e nem muito menos ocorreu uma falha do jornal. É isso que aí está. O futebol posto numa perspectiva econômica, na qual me esforço em trazê-lo à luz desse debate, em função dos últimos acontecimentos. Cenas explícitas de soberbas e intromissões políticas, mas que só expuseram as fraturas de um setor da economia do entretenimento, no qual sua ordem de grandeza tanto é capaz de causar impactos como contradições.

De fato, minha vontade de trazer à baila o assunto se mostrou mais inspirada pelos últimos trabalhos do amigo e consultor de marketing esportivo, Amir Somoggi. Digo isso pelos números recentes do relatório da sua Sports Value e do artigo que publicou nesta semana no portal da Exame (CBF rica, clubes pobres: o capitalismo às avessas). Somem-se ao diagnóstico, os recentes (embora tradicionais) ingredientes políticos e éticos que têm contribuído para projetar uma análise crítica institucional desse modelo desequilibrado e desigual que pauta o futebol brasileiro.

Deixo à margem da análise o elemento principal, representado pelo que tem acontecido dentro de campo. Refiro-me aqui à qualidade técnica do atual futebol brasileiro, inegavelmente sofrível. É evidente que, em larga medida, ela representa uma consequência de algumas impropriedades que atuam fora do campo. São conhecidas situações de cunho estrutural, que já mereciam tratamento e outras respostas, não fossem as práticas de escondê-las. Talvez, ainda, em nome de um certo simbolismo de identidade nacional, que o nosso futebol tem sido capaz de expressar.

As questões recentes sobre o comportamento institucional e do elenco a respeito da Copa América e a gravíssima denúncia que recaiu sobre a presidência da CBF, são meras "pontas de iceberg", diante de tantas situações atípicas que têm abalado a imagem do futebol brasileiro. São fartos os exemplos de falta de práticas éticas, más gestões, crimes de assédios, discriminações  variadas e outros episódios. Assim, diante dessa postura de consagração do mal, que tanto se esforça para disfarçar a sucessão de escândalos, penso que chegou a hora de corrigir os erros, rever velhos paradigmas e mudar o foco.

Algumas questões gerais, que dizem respeito à dinâmica econômica responsável por fazer o futebol girar, merecem revisões urgentes: 1) profissionalizar as gestões nos clubes; 2) redefinir prioridades nas instituições de comando; e, 3) repensar o modelo concentrado da captação de recursos, no sentido de instaurar melhores condições de competitividade nos campeonatos.

Bem, se tais alvos não são prioritários, o que dizer dessa dura realidade presente no futebol brasileiro onde: 1) aumenta-se o grau de oligopolização no mercado, de um modo tal que o fosso que separa a posse de recursos é determinante de títulos e, consequentemente, mais recursos; 2) há quedas de receitas, que agora ficam à mercê da perda de ativos (atletas) e aos contratos de TV; 3) performance das bilheterias se mantém em cima de resultados mínimos há uma década (8% na média, sem falar na inflação do ingresso); 4) queda gradual na captação de patrocínios, sobretudo, pela desistência de grandes marcas (há pulverização, baixos valores negociados e provável desinteresse do mercado, tudo devido aos baixos níveis técnicos das equipes, às más gestões e aos escândalos); e, 5) clubes com estoques de dívidas impagáveis (com a agregação da pandemia, estima-se que esse buraco está na ordem de R$ 20 bilhões). Ou seja, assiste-se a um filme de terror, após o fiasco técnico e financeiro da Copa de 2014, onde só com arenas (que de multiuso se viram transformadas em sem uso) foram "enterrados" cerca de R$ 10 bilhões.

Bem, volto ao tema na próxima coluna, para trazer detalhes desses contrastes econômicos. Irei me manter imbuído do espírito platônico de querer ver o futebol reagir e não tolerar tantos malfeitos.

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