Semeadura sísmica e assombro populista
Nas colunas anteriores, mal descrevi sobre certa "ressaca econômica" diagnosticada na Quarta-feira de Cinzas que, 48 horas depois, os efeitos colaterais trouxeram outros sintomas de gravidade.
Por mais que os distúrbios se revelem estruturais, a surpresa ocorre. Ainda mais quando se esperava ponderação numa política econômica que fosse executiva no seu sentido programático, jamais executora na intenção de eliminar ou desfazer o que dela se projetava.
Hoje, escreveria aqui sobre o comércio internacional e a escolha da nova dirigente da OMC. Só que a sismologia que motiva o ímpeto político é tão impactante, que não há como fugir do terremoto. Deixarei a OMC para outra oportunidade, pois essa semeadura sísmica que abateu a Petrobras mexe em toda economia brasileira.
De fato, a intervenção política dos governos na Petrobras tem ancestralidade. Até mesmo quando o assunto é a formação de preços dos combustíveis, um instrumento da aura empresarial. Isso é um tema tão absurdo quanto baixar a inflação ou tabelar a taxa de juros por decretos. Pior ainda quando a ideologia do governo, difundida na campanha eleitoral, sempre foi posta como não-intervencionista, para se fugir do rigor etimológico do termo liberal.
Iniciativas macroeconômicas à parte (como a injeção do Bacen em R$ 1 bilhão, para segurar o efeito da valorização do dólar), também não vou entrar no viés microeconômico das variáveis que afetam os custos dos combustíveis. Nada dos fatores exógenos, desde os preços do barril de petróleo até as questões cambiais. Nada também de justificativas endógenas, do tipo impostos e custos operacionais de refino. Quero me ater a uma questão maior: como fica o manejo da política econômica afinado com o ideário liberal, depois desse intervencionismo tão singular, que intenciona forçar a baixa nos preços?
De imediato, depois de semeado esse terremoto entre os agentes econômicos, parece-me evidente que há um certo êxtase populista. E isso representa um comportamento temerário, justo para uma economia que tenta navegar a favor dos ventos soprados pelo mercado. Ma, o pior é a exposição de um discurso contraditório entre o núcleo do poder e a equipe econômica.
Diante do que se fez na Petrobras, ficou perceptível que houve mais uma dose de isolamento político reservada ao ministro Guedes e sua equipe. Se já não havia avanços na agenda liberal, essa demonstração de autoridade pode ter sido um sinal de ruptura. Diante das pressões dos novos aliados no Congresso, a discreta reserva que ainda se tinha na cartilha liberalizante está ainda mais à deriva. Será muito difícil falar de privatizações, cortar gastos e simplificar impostos. Os ventos já não sopram a favor.
Com esse abalo sísmico desde sexta-feira, que fez a Petrobras ter uma perda histórica de R$ 100 bilhões no seu valor de mercado, lembrei que a contradição tem história. Quando, em março de 2018, estive à primeira vez com Guedes no seu escritório do Rio, fiz-lhe uma pergunta: como ele, um liberal ortodoxo, encarava o perfil nacional-intervencionista do então candidato presidencial? Ou mais: como ele, favorável à própria privatização da Petrobras, sendo ministro da Economia, enfrentaria uma possível disposição do Chefe em negar a proposta e intervir na estatal?
Guedes me respondeu que o tempo e a circunstância fariam o modelo liberal vingar. Ambos acabaram de provar o contrário. Guedes consagra seu isolamento. A força política se abraça com o intervencionismo. E o que resta é o assombro do populismo.
A ressaca continua indigesta.