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Sinais vermelhos na Faria Lima

Muita calma nessa hora. É que o estresse da polarização política poderá induzir o leitor a uma interpretação equivocada. O título em referência não possui qualquer carga ideológica, embora possa permitir ao apressado ou desavisado alguma presunção diferente da ideia que me propus. Enfim, aqui não há cores de sinais partidários.

A intenção serve apenas como referencial técnico sobre a reação do mercado às incertezas da economia. Por maior que seja o estrago político que diariamente se processa entre a Praça dos 3 Poderes e a Esplanada dos Ministérios. Aí, sim, haja contribuição desfavorável, uma vez que o embate eleitoral se tornou pauta para tudo.

De fato, na atual conjuntura, evidências não faltam para que os sinais vermelhos imponham tamanho descrédito com relação à política econômica. Nesse sentido, todas minhas meras percepções a respeito do quadro econômico foram mais fortalecidas pela entrevista, concedida ao "Estadão", por um dos mais respeitáveis economistas brasileiros: o Professor Afonso Celso Pastore, ex-presidente do Banco Central e decano da Faculdade de Economia da USP, onde estudei. Conhecimento e credibilidade não lhe faltam para interpretar a dura realidade que o país hoje atravessa.

Nessa entrevista, Pastore alertou para o fato que, finalmente, parcela do empresariado da "Faria Lima", coração do mercado financeiro, "ouviu o despertador e acordou para a realidade". Mesmo que as expectativas para o PIB deste ano apontem para a recuperação das perdas da pandemia e tenha também ocorrido momentos pontuais favoráveis no câmbio e na bolsa, a letargia das reformas e a inflamação da crise política têm atuado de forma dura sobre a economia. Por essas e outras tendências, Pastore se mostrou convicto na sua avaliação, quando apontou para uma provável piora no desempenho econômico para 2022, se tudo se mantiver como está. 

Esse prognóstico de Pastore se soma ao de outros economistas e agentes do mercado, que gozam de prestígio e credibilidade semelhantes. Em adição, vale dizer que são ainda reações que revelam uma enorme preocupação com os riscos traduzidos pelo clima de exacerbação eleitoral e até de rupturas institucionais. Aliás, evidências que foram expostas, em dois distintos momentos, por cartas e manifestos assinados por muitos desses profissionais, sempre em defesa da estabilidade econômica e política do país.

Diante de sinais que persistem numa linha inversa, de aposta na instabilidade, algumas questões pairam no ar. Cabe-me aqui uma, de sentido mais amplo: o que se costuma fazer no populismo quando, nas vésperas das eleições, a aceitação do governo despenca e junto a isso o horizonte econômico ainda aponta para as altas da inflação e do desemprego? Creio que se trata de uma indagação oportuna.

Bem, por maior que seja o risco da derrapagem, a aposta mais rápida para uma reação é quase sempre pisar no velho acelerador dos gastos. Na hora que se considera a eleição como uma prioridade, mais vale o efeito circunstancial da politica pública no voto que se quer do pobre e do desempregado, do que o valor de uma ação social planejada, que atuasse antes para minimizar tais situações. Infelizmente, este é o retrato de realidade uma realidade em que o "ministro liberal" acaba de mostrar sua fantasia de "fura teto". Parece querer usá-la.

Assim, entre o quadro adverso da conjuntura econômica e diante das opiniões técnicas abalizadas, consigo reforçar minhas modestas inferências. Embora entenda que o destaque hoje dado se refira a uma parte da insatisfação com relação à economia, vale lembrar um importante detalhe. É que tal reação deriva de parcela expressiva do empresariado, cujo subconjunto relatado (o núcleo financeiro da Faria Lima), se não esteve politicamente alinhado com o governo, apostou no discurso temático das ideias liberais de Guedes. Pelo menos, nos ajustes fiscais cabiveis, haja vista o estado de brutal desequilíbrio das contas públicas.

O danado é que os sinais vermelhos já se espalharam para além da Faria Lima. Ou seja, mantêm-se acesos noutros setores do circuito produtivo do país. Como as consequências maiores dos desacertos macroeconômicos atingem em cheio a indesejada retomada da inflação, o ônus sobre os menos favorecidos gera ainda mais problemas. Afinal, aumentam os relacionados à natureza social, esta já pautada pela expansão do desemprego e da pobreza.

Nessa sequência dramática, o pesadelo político surge impávido e daí faz rondar nos distintos ambientes o fantasma do populismo. Desta vez, não só na Faria Lima.

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