Súmula econômica em tempo de pandemia: clima de turbulência (Parte 2)
Na coluna passada, fiz um breve exercício relacionado com duas situações da conjuntura macroeconômica, dado o atual momento da pandemia. Por um lado, tratei das expectativas da política monetária após a última reunião do Copom, que confirmou o aumento da taxa Selic para 3,5% aa, com tendência ainda de alta para 2021. Por outro lado, reafirmei sobre a instabilidade do ambiente fiscal, diante do descompasso entre temas como as reformas tributária e administrativa, além dos riscos de uma execução temerária do orçamento.
Hoje me concentro em três breves comentários a respeito de setores fortemente atingidos pela pandemia. Nas suas respectivas cadeias produtivas, a maioria das suas atividades envolve presença expressiva de público, razão pela qual o impacto das restrições começou nelas e certamente fará das mesmas as últimas, numa retomada à normalidade. Refiro-me aqui aos setores da cultura, do esporte e do turismo. Em todos esses setores, alguns exercícios de adaptação puderam ser considerados. No entanto, a instabilidade e a incerteza reforçam o nível da turbulência que cada um ainda enfrenta.
DESASTRE CULTURAL > Se problemas já existiam antes da pandemia chegar e perdurar, o fato é que a extensa cadeia produtiva da cultura está combalida. Produções comerciais (que independem do fomento público) ou não resistem nos seus limites, após um ano de uma quase plena paralisação. Quase, porque algumas atividades se ajustaram ou reinventaram, mesmo que sem gerar o mesmo volume de rendas e empregos da era pré-pandemia (festivais, shows e outros raros exemplos). O certo é que estamos falando aqui de um forte impacto sobre algo como 2,5% a 3,5% do PIB, que corresponde ao estimado para o setores culturais e criativos, conforme pesquisas distintas. Há também registros feitos por pesquisas que mostram uma queda média de receitas na faixa de 45% e a decisão por promover demissões em quase 50% das empresas ou instituições pesquisadas. Apesar do apoio (ainda parcial) dos recursos da chamada Lei Aldir Blanc (que descontingenciou R$ 3 bilhões do FNC), esse auxílio quando não se materializou na sua inteireza (adesão incompleta), também se revelou insuficiente para se fazer frente a uma dinâmica perdida. Por essa situação e ciente do fato de estar o setor no fim da fila de retomada, a crise persiste.
O PREJUÍZO NO ESPORTE PELAS LENTES DO FUTEBOL > O último relatório técnico da Sports Value, do amigo e consultor número 1 de marketing esportivo Amir Somoggi, revela o tamanho do estrago causado pela pandemia em 2020, apenas no futebol brasileiro: R$ 1,03 bilhão. As perdas de receitas com os direitos de transmissão contratados pela TV e os recursos do chamado "matchday" (bilheterias e rendas outras) caíram cerca de 20%. Os casos que minimizaram esse impacto dependeram ainda mais de patrocínios (tarefa também difícil em ambiente de crise geral) e transferências de atletas. Isso tudo dentro de um contexto onde o estoque de dívidas dos clubes saltou para incríveis R$ 20 bilhões. Dificuldades à vista para o já cambaliante futebol brasileiro.
CLIMA DE INSEGURANÇA NO TURISMO > Outro setor de larga extensão na cadeia produtiva, que continua profundamente afetado pela insegurança geral promovida pela pandemia. Estima-se que o prejuízo acumulado pelo setor no País beira os R$ 300 bilhões. E o danado que há muito o que se rever para o futuro com relação às viagens, sejam profissionais ou pessoais. Congressos e feiras serão os mesmos? Ações profissionais como reuniões e treinamentos exigirão o pique anterior de viagens, dadas as experiências virtuais? Como ficarão aqueles investimentos ambiciosos em hotéis e agências? Os voos serão os mesmos?
Pelo visto, as lições econômicas derivadas da pandemia não têm limites. E o clima de turbulência parece intransponível. Mais dureza ainda para o desafio econômico que está sobre os ombros do País.