Travessia da Política Econômica em Campos Áridos Impede Travessura Monetária com Campos Gestor
Os Desafios do Banco Central com a Carta das Metas Inflacionárias
Em tempos de uma brutal transformação promovida pela explosão da era digital, ainda há espaços para se falar de cartas. Não falo aqui daquelas que se redigiam entre a pena do velho escriba e o duro teclado de uma surrada Remington ou Olivetti. Refiro-me a um contexto verossímil na proposição, no sentido de expressar algum tipo de sentimento, como um compromisso. Daí, não importa se o meio usado é do mundo analógico. Ou mesmo, se está inserido nessa turbilhão do ambiente digital.
De fato, sou do tempo de um ofício de economista, no qual os compromissos revelados sob o bom estilo de uma carta, referiam-se às intenções de se buscar um apartado equilíbrio macroeconômico. Nesse sentido, rendida aos rígidos ditames impostos pelo Fundo Monetário Internacional (FMI), a política econômica brasileira passou boa parte dos anos 80, submetida aos controles institucionais desse Fundo. Por ser membro da instituição e dela ter contado com robustos aportes em empréstimos, a economia brasileira se submetia assim às cartas de intenções. Portanto, o acerto que se esperava nos campos monetário, fiscal, cambial e salarial, diante de uma inflação galopante esteve muito dependente do diagnóstico elaborado pelo FMI. As diretrizes eram postas, mas pouco ou nada se cumpria. Com resiliência nos formatos e repetição nas promessas, as cartas de intenção propostas ao FMI foram genuínas quimeras, cujos conteúdos eram campos inacessíveis.
Agora, os campos são outros e os ventos sopram para direções bem diferentes. Para o mundo atual de novas cartas (econômicas), o senso de compromisso é diferente. Saiu de cena o FMI, mas pairou no ar uma preocupação, na qual fugir da convivência com a inflação passou a ser uma real obsessão. Ou melhor, a maior obsessão passou a ser o Real - a moeda. Por isso, deriva daí a carta de compromisso com as metas inflacionárias, bem estipuladas pela autoridade guardiã do Conselho Monetário Nacional, que passou a delegar para o Banco Central toda essa responsabilidade. Mais precisamente, todas as vezes que a inflação medida pelo Índice de Preços ao Consumidor Ampliado (IPCA) atinja 1,5% acima ou abaixo da meta.
Das 6 vezes que o recurso da carta foi usado (desde 1999 até o presente), o interessante é que a exposição dos motivos exprime caminhos inversos. A última vez se deu pelo fato da inflação ficar abaixo da meta, apesar daquela tolerância do 1,5%. Agora, caberá ao presidente Campos, tornar público na sua carta, não só as razões dos dois dígitos de uma inflação que fechou acima do dobro da meta (considerada aquela mesma tolerância do 1,5%). Também serão necessárias revelar as medidas que sustentem esse ímpeto inflacionário.
Nao obstante as dúvidas que pairam sobre a travessia dos controles fiscal e cambial em ano eleitoral, ainda bem que do alto de uma autoridade monetária agora independente, não há espaços para travessuras. O papel de guardião do BC, apesar das duras consequências sobre as taxas de juros, certamente dará à inflação uma sustentação, prevista para o segundo semestre.
A carta é outra e difere do passado. E pelo controle monetário que hoje se tem, espera-se que o compromisso em nome do controle da inflação, possa ser mesmo honrado.