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Um Drible à "Chilena" no Brasil: Equilíbrio Fiscal, Solidez Democrática e Lições Civilizatórias (II)

A longevidade do sucesso do Chile na América Latina

Assim como no mundo do futebol, é claro que a história econômica do nosso país registra uma pujança superior a do Chile. No entanto, há anos que um drible à "chilena" (chaleira ou drible da vaca) tem sido um recurso usado e repetido. Habilmente, como se fosse algum jogador em campo, que ao pressentir a chegada do adversário, passa a bola do lado dele e depois a pega mais à frente. Nos tempos dos bons ponteiros do futebol, houve um tal Eduardo do Cruzeiro/MG, que foi hábil nesse tipo de jogada. Foi o astro do "drible da vaca". Ou chilena.

Bem, um pouco desse efeito demonstração é o que posso dizer daquilo que se deu, na forma de um pacto social no Chile. Em particulsr, a partir do início da redemocratização. Isso numa comparação de resultado distinto com o que se assiste no Brasil, na sua respectiva redemocratização. No geral, por lá os políticos, empresários e sindicalistas assumiram seus papéis, muitas vezes conflituosos, pelo jogo natural do poder. Contudo, não perderam de vista a responsabilidade com a economia. Ou seja, a bola foi jogada à nossa frente e a conjugação das ações econômicas e políticas, como se fosse um atleta driblado, assiste ao seu "adversário" bem posicionado adiante, pronto para traduzir sua jogada plástica em gol. 

Com essa minha discreta metáfora do drible, creio que extraio três exercícios que, lamentavelmente, desprezamos como boas fontes de aprendizado: 1) o compromisso com o equilíbrio fiscal; 2) a preocupação com a solidez das instituições democráticas, sem relevar as ameaças exacerbadas dos extremos políticos; e, 3) as lições civilizatórias de uma sociedade evoluída nos seus princípios de humanismo. Distante do enredo chileno, o Brasil tem-se curvado ao velho histórico latino-americano de se render ao populismo dos salvadores da pátria. Uma embriaguez causada por bebidas de rótulos superados no tempo. Ou seja, uma prática enfadonha exercida por lideranças de esquerda e direita que não se renovam.

No campo da responsabilidade econômica o fator basilar é simplesmente ditado pela lição do equilíbrio fiscal. Aqui, endosso o que disse Cristóvam, de que o Chile tem meio século de compromisso responsável com as contas públicas. E o fez na mão dupla da política, pela direita e pela esquerda. No geral, os gastos públicos não sacrificaram as metas de equilíbrio fiscal, isso sem impactos substanciais na inflação, no endividamento público e na taxa de juros. 

Por outro lado, apesar das polarizações que pautaram as cenas eleitorais no Chile, os riscos e as ameaças à estabilidade democrática foram mínimos, longe do tradicional perfil latino-americano e, particularmente, das recentes turbulências vistas no Brasil.

Por fim, o que se extrai de mais importante dessa experiência chilena, é o quanto sua maturidade social pode ser transmitida como exercício civilizatório. Isso pode ser constatado não apenas pelas transmissões de governos que se opuseram fortemente nas campanhas. Mas, pela essência civilizada, pacífica, democrática, bem perceptível nas atitudes dos líderes. O recém-eleito Boric sabe que, a partir da aliança construída com o centro, o sentido republicano está em ser governante de todos, não apenas para atender seus eleitores ou sua bolha ideológica. Esta última, no vácuo da atualidade, em harmonia com as ideias disseminadas pelas redes sociais, via algoritmos adestrados. Na noite da eleção, ter trocado palavras com o atual presidente em rede aberta de TV e até ter estado pessoalmente com ele, no dia seguinte, representam marcos civilizatórios, que já nos causam a boa inveja. Claro que todo esse gesto ainda representa um processo inicial, mas não quebrar essa "cultura de pactuação" à chilena, traduz -se naquele mesmo efeito virtuoso do drible, que tanto dá brilho ao futebol.

Que 2022 nos renove aquela esperança de sempre, que ronda a passagem de ano. No entanto, que o espelho do Chile visto por hoje, traga-nos mais reforço para ela. 

Feliz 2022.

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