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Um sentimento artístico é saber exercer a arte de sobreviver (Parte I)

Estúdio de TV - zzbfoto/Freepik

O surrealismo de Salvador Dali tem uma amplitude maior que a qualidade plástica da sua obra e a extravagância exótica do seu bigode. Afinal, tamanho talento - assim como, o de alguns raros artistas - sempre soube exaltar, nas oportunidades cabíveis, um forte sentimento de resiliência. É como expressa uma das suas frases: "o desejo de sobreviver e o medo da morte são sentimentos artísticos". Pura verdade.

De fato, naquelas situações nas quais a crise mais aperta, para que os sofrimentos e as consequências não sejam eternizadas, é preciso ir além da paixão pelo que se faz. É essencial usar a resistência como uma arma pacífica e construtiva, em defesa da própria vida. Como é também importante não perder de vista a vitória enquanto meta. Nessas horas difíceis, é bem capaz dela estar distante, embora possa, num momento seguinte, revelar-se plena e ao alcance.

Quando aqui enalteço esses valores da resiliência humana, tão presentes para os que fazem a arte e a cultura acontecerem, quero também destacar que o momento de retomada precisa ser encarado como tempos para reflexão e revisão. Do entender os revezes da crise - dessa vez vistos por lentes retrovisoras seletivas e criteriosas - como capazes de distinguir acertos e falhas cometidos.

Parte substancial desse roteiro parece configurar o atual momento da cultura e, em particular, do audiovisual. Talvez, ambos viveram os momentos mais difíceis de suas respectivas trajetórias de produções, de tal sorte que recuperaram, no decorrer deste ano, os espaços antes consagrados pelas políticas públicas. Aqui, não me refiro apenas a retomada da política de incentivos fiscais concedidos, como o próprio reposicionamento dos investimentos do Fundo Setorial do Audiovisual (FSA), gerido pela Agência Nacional do Cinema ANCINE). Neste caso, com recursos cobrados dos agentes do próprio setor. Destaco também os resultados derivados do que foi feito pela Lei Aldir Blanc (LAB)e o que poderá advir da Lei Paulo Gustavo (LPG). São ações estimulantes que têm considerável impacto numa cadeia produtiva que gera muitos empregos e rendas.

Acintece que esse discreto sentido de euforia precisa ser melhor ponderado, com reflexões e decisões pertinentes, que permitam evitar críticas, infeliz e injustamente, pautadas pelo desconhecimento. Seja pela ausência de visão do que seja o valor da identidade cultural. Ou mesmo, pelo viés antieconômico, que parte da sociedade costuma reservar às atividades culturais. 

Nessas circunstancias, reservo-me da obrigação que tenho comigo mesmo, diante do que penso e faço com relação ao real sentido da economia da cultura. Por um lado, julgo importante esclarecer a sociedade com defesas veementes e argumentadas, quanto ao valor econômico dos integrantes da cadeia produtiva da cultura. Por outro, procuro alertar ao setor que o envolvimento com as ciências econômicas é algo necessário, sob pena de não só reforçar o discurso dos contrários, mas perder oportunidades para contribuir para o desenvolvimento sustentável do país.

O momento atual traduz bem essas duas preocupações.Em primeiro plano, refiro-me à LPG e os seus riscos, pouco conhecidos e difundidos. Num outro plano, a derivação do que pode acontecer com os efeitos da reforma tributária, quando o olhar se dirige para os mecenatos estaduais e municipais, respectivamente, guiados pelo ICMS e o ISS.

Sobre a LPG, constituída basicamente pelos recursos do FSA, cabe-me a preocupação com a falta de articulações e entendimentos prévios, que pode por o modelo em risco e dar ânimo aos seus adversários. O tempo curto e o desconhecimento sobre a dinâmica do audiovisual são elementos desafiadores. Sobre a reforma tributária, também pesa um desconhecimento sobre as especificidades da mesma, sobretudo, no sentido conceitual do que se apresenta agora como substitutivo dos tributos passíveis de isenção. No caso, o novo Imposto sobre o Valor Agregado (IVA).

Explicarei as situações na próxima coluna.

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