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Uma Certa Insolência Civil

Padrões de Gastos Públicos e Privados com Cara de Brasil

Marcello Casal Jr./Agência Brasil

Penso que o apreço nacional por gastar, parece algo por  enunciar uma certa insolência civil.  É que desse contexto, faz-se acreditar numa espécie de cultura, que bem representa um vetor matricial, para o qual alguns economistas costumam tratá-lo, naturalmente, como uma "propensão a consumir". Isso é algo cuja tendência se dá em distintas dimensões. Do indivíduo privado até o coletivo de expressão pública. 

De fato, tais comportamentos ocuparam o debate econômico da conjuntura recente. O lado público é uma extensão do velho e persistente discurso sobre a necessidade de, em nome do equilíbrio fiscal, fazer-se exercer a contenção das despesas governamentais. O lado privado veio à tona quando, estatísticas atuais sobre as recentes despesas de orçamentos familiares, trouxeram uma enorme preocupação com o consumo supérfluo. Explicarei melhor essas repetições de tendências.

Na alçada pública, o debate acalorado mais recente diz respeito às pressões do Congresso Nacional, exercidas em nome de garantias ainda maiores para distintas formas de emendas parlamentares, todas dependentes do Orçamento Geral da União. Por mais que possam ser legítimos os pleitos e que disso se consiga entender o significado de poder, caracterizado pela força desse instrumento político (constatei isso quando lidei, diretamente,  com elas numa função pública que exerci em Brasília), tenho cá minhas ressalvas. 

Na maioria das vezes, o discurso parlamentar pelo equilíbrio fiscal se mostra contraditório, quando a defesa das emendas (individuais ou de bancadas) soa mais alto, pelos gabinetes, corredores e plenários. Enfim, particularmente, não vejo tanto sentido nessa pressão, diante de um ambiente no qual o principal papel do Legislativo seria o de cobrar o controle fiscal do Executivo. Para que emendas de bancada, se há as prerrogativas das individuais? Se a aposta é por conta dos projetos estruturadores nas UFs, que isso seja de competência direta do Executivo. Com controles, prioridades e monitoramentos.

Na alçada privada, o que houve mais recente, a respeito de despesas familiares, foram algumas discussões sobre pesquisas de consumo, feitas por equipes de estudos macroeconômicos do Itaú e da Price. O surpreendente delas foram os comprometimentos observados com despesas relacionadas às apostas em jogos, comumente reconhecidas como "Bets". 

Diante do registro de queda no consumo de outros meios de entretenimento e até de itens de primeira necessidade, parece-me algo preocupante para o perfil das classes D e E. Em 5 anos, o salto da participação de despesas com apostas "on line" em tais classes, passou de 0,2% para 2% (dados Price). Ou seja, um volume estimado de recursos, na faixa dos R$ 25 bilhões, de julho/23 a junho/24, o que corresponde a cerca de 0,22% do nosso PIB (dados Itaú).

A insolência civil na propensão a gastar tem cara de Brasil, seja qual for a direção tomada. Apesar da liberdade de se empreender e consumir, é preciso atuar em frentes tão comprometedoras com mais parcimônia.
 

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