Logo Folha de Pernambuco

Utopia Milionária e Jogos de Azar

A Falsa Ideia de Rapidez na Mobilidade Social

Alfredo Bertini - Arthur de Souza/Folha de Pernambuco

A dinâmica capitalista costuma sinalizar para alguns princípios, no que tange à busca pelo sucesso, naquilo que posso chamar aqui de "enriquecimento". Educação financeira, disciplina rigorosa, poupança planejada, estratégia de ação e investimento confiável são passos indispensáveis para quem sonha buscar um padrão de riqueza superior. Tudo isso não representa apenas uma cartilha segura e certa. Numa escala de valores, que varia da psicologia humana até o grau de incerteza dado pelo aleatório, o caminho da riqueza não é linear. Essa conquista é sempre árdua.

No geral, sabe-se que o padrão comportamental do brasileiro é diferente, justo porque não é da sua "cultura", ter o hábito de agir como manda aquela cartilha. O paradoxo que se revela está no desejo de viver num padrão acima do tangível. E o pior disso é transformar tal utopia inexequível, em atitudes arriscadas e imediatistas. Por esse comportamento, apostar em jogos de uma forma contínua e comprometedora se faz como ato cotidiano. Se antes, ativar o modo de agir com tamanha frequência era algo explicado pela fragilidade (emocional e econômica), agora o "apertar o botão" ficou bem mais fácil. Literalmente, tudo ficou ao alcance dos dedos. Afinal, a dependência excessiva que hoje se tem do mundo digital, potencializou ainda mais o desejo de arriscar, sobretudo, por meio de apostas, convencionadas pela multiplicidade das tais "bets". Assim, acima de um golpe de sorte eventual, o azar paira no ar, de modo mais frequente. 

Claro que a livre iniciativa de querer jogar, desde que com o espírito responsável do entretenimento, pode e deve ser considerada como atitude privada. No entanto, quando o comprometimento com o jogo cria ares de irresponsabilidade, o conjunto de problemas gerado pelas decisões arriscadas, evidencia sua natureza pública. 

O vício praticado como desvio de um padrão psicológico dado como normal, além de ser uma patologia capaz de causar ônus para o poder público, transmite também uma gravíssima questão que afeta a renda, sobretudo, dos mais pobres. Neste particular, quando a substituição da despesa de consumo associada à subsistência passa a ser assumida pelo custo das apostas em jogos de azar. Portanto, uma transferência de renda que traz enormes preocupações sociais.

Dados recentes divulgados pelo Banco Central não só comprovam essa realidade, como induzem o Governo a tomar decisões cabíveis. A situação que causou maior grau de preocupação estava associada, justamente, aos beneficiários de um dos mais importantes programas sociais. Ou seja, dos 24 milhões de apostadores, registrados em agosto passado, 5 milhões estavam vinculando despesas com apostas à renda oriunda do Bolsa Família. Isso significou um fluxo financeiro da ordem de R$ 3 bilhões. Um montante muito expressivo, que só contribui para aumentar ainda mais o nível de endividamento dos mais pobres.

É evidente que a sustentação desses jogos de azar, por meio de apostas direcionadas para centenas de operadoras "on line", não é capaz de apontar para o caminho do enriquecimento. Essa opção não passa de um exercício de utopia intangível, que confirma a alta propensão a consumir do brasileiro. E, agora, vitaminado com o engajamento dado pelas oportunidades do mundo digital, numa comunhão de fiel aliado.

Veja também

Newsletter