É possível reduzir o impacto da miopia nas nossas crianças?
Por Dra. Ana Catarina Delgado, oftalmologista
O aparecimento da miopia nas crianças ao redor do mundo vem tendo um crescimento impressionante nos últimos anos. Os dados estatísticos assustam e até encontramos citações da miopização da população mundial como uma nova “pandemia”. Países orientais como Japão, Coreia do Sul e China tem publicações médicas de dados epidemiológicos de mais de 80% das crianças míopes. Enquanto nos países africanos, a taxa é a menor do mundo.
O que os diferenciam? Provavelmente o acesso à tecnologia e o uso da visão de perto têm um importante papel nesta discrepância. No Brasil, os dados não são muito precisos, mas estima-se que a miopia esteja presente em 20% a 30% da população e a Organização Mundial da Saúde prevê que em 2050, 50% das crianças brasileiras serão míopes.
Mas afinal, o que é a MIOPIA?
Miopia é a dificuldade de enxergar de longe. Ou seja, uma pessoa míope precisará de óculos para ler a lição que a professora colocar no quadro, para ver a bola num jogo de futebol, para ler o nome do ônibus na parada ou mesmo uma legenda na tv. Isto afeta todas as pessoas, independentemente de idade. Mas sabemos que a miopia aparece na infância e daí ela segue aumentando até a estrutura física da criança parar de crescer, por volta dos 18 a 20 anos. Falando do ponto de vista oftalmológico, o olho míope é um olho mais alongado que o normal, e a imagem do objeto é focada antes da retina. Portanto, quanto mais o olhinho crescer, mais míope a criança ficará. Outra coisa importante para se comentar é que quanto mais jovem a miopia for detectada, mais tempo terá para o olho crescer e maior será o grau.
Vale salientar que a influência genética é muito forte e crianças que tenham um pai ou mãe míope terá cerca de 30% de chance de desenvolver miopia e se os dois forem míopes, a probabilidade passa a ser de 50%.
A novidade é que até pouquíssimo tempo não havia qualquer tipo de tratamento para evitar este crescimento do olho e os oftalmologistas se limitavam a apenas prescrever óculos de grau. Com toda tecnologia que é desenvolvida diariamente em diversas áreas da medicina e especificamente da oftalmologia, agora já existem formas de tentar evitar esta progressão. Muito recentemente, os congressos oftalmológicos vêm dando muita ênfase e atenção às possibilidades de controle da miopia e diversos estudos científicos estão provando a eficácia dos resultados.
Entretanto, até o momento, nenhum tratamento é capaz de curar ou reduzir a miopia. Todos têm a finalidade de evitar a progressão ou diminuir o ritmo do aumento do grau. Quando explicamos isto, algumas vezes os pais perguntam: e faz diferença entre ser míope de 1 grau ou de 3 graus? A resposta é absolutamente: sim, faz diferença! Quanto maior o grau da miopia, maior o risco de problemas oculares no futuro. Adultos míopes de 3 graus, por exemplo, têm aproximadamente 9x mais chance de ter descolamento de retina e degeneração mióptica e 3x mais chance de ter glaucoma ou catarata. Este risco aumenta respectivamente para 21x e 5x nos míopes de 6 graus. Por isto, como repetimos muito nas palestras e congressos: cada grau que conseguimos controlar importa.
Mas afinal: Quais são as novidades no tratamento para controlar a miopia?
As empresas e laboratórios no segmento da visão têm lançado nos últimos anos lentes de óculos especiais, que desfocam a visão na periferia para desestimular o crescimento do olho, além de lentes de contato especiais para crianças, de descarte diário e extremamente seguras do ponto de vista da higiene. Ainda podemos dispor da ortoceratologia que consiste no uso de lente de contato à noite para dormir, também chamada lente pijama, e a criança ao acordar retira as lentes e passa o dia inteiro enxergando tudo como se estivesse com lentes ou óculos. Do ponto de vista de medicamento, diversas publicações científicas no mundo inteiro avaliam o uso de colírio manipulado para controle de miopia.
Estudos comprovam que além dos tratamentos acima, há uma crescente necessidade de gerenciamento comportamental de todas as crianças. Para isto, precisamos unir esforços entre pais e familiares, professores e escolas, e também os psicólogos e pediatras para a conscientização do controle ambiental. Estamos conversando sobre 2 pontos críticos: alta exposição a eletrônicos/telas e baixa exposição ao sol.
Uma regrinha básica e fácil: Crianças de até 2 anos não devem ter qualquer exposição a telas. Entre 2 e 5 anos, no máximo 1 hora de uso de eletrônicos e maiores de 5 anos, no máximo 2 horas. Além disto, a distância mínima de 20 centímetros do olho deve ser respeitada sempre. Ambientes bem iluminados e pausas a cada 20 minutos também devem ser estimuladas.
Outro ponto que não pode ser esquecido é a importância de brincadeiras e atividades ao ar livre. Toda criança precisa se expor a luz solar, idealmente 2 horas por dia e alguns estudos sugerem que a dopamina, hormônio liberado nesta exposição ao sol exerça um fator protetivo em relação à progressão da miopia.
Recentemente, a Oftalmo Zona Sul ganhou o título de Centro de Referência no Controle da Miopia, investiu no conhecimento e na atualização deste tema e disponibiliza todos os tipos de abordagens disponíveis atualmente no mundo.
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