Eu posso. Eu quero. Eu preciso. Em busca do consumo consciente
O dinheiro é uma riqueza finita, que exige disciplina e respeito
O orçamento é uma peça fundamental no equilíbrio econômico e financeiro tanto para um cidadão como para uma grande corporação empresarial.
É verdade que um bom orçamento não é garantia de sucesso, porém, a ausência dele é contributivo para o insucesso. O improviso com dinheiro costuma custar caro.
A meta é cumprir os objetivos e atender as demandas sem gerar déficit, ou melhor ainda, com superávit. O superávit gera a formação de reservas financeiras e o déficit, pelo contrário, gera acúmulo de dívidas.
Ora, se nos parece tão simples assim: as despesas não podem ser maiores do que a receita e, de preferência, as receitas devem ser maiores do que as despesas por que todos, empresas e pessoas físicas, não estão sempre em equilíbrio?
Ao nosso ver, a base de tudo está nas emoções, ideias e sentimentos. O ser humano, não sendo uma máquina, está passível de decisões, em grande parte, subjetivas. O autoengano faz parte da psicologia de consumo do ser humano.
A ciência econômica oferece um conhecimento razoável a quem se dedica a estudá-la, no caso concreto, em busca do acerto orçamentário objetivando o equilíbrio econômico e financeiro. E por que, então, persistem os desequilíbrios empresariais e/ou pessoais?
Como vimos acima, um ponto crucial é o devido controle das emoções, ideias e sentimentos relacionados com dinheiro. Ou seja, o consumo e investimento conscientes. Neste aspecto sugiro, antes da tomada de qualquer decisão que implique em saída de recursos, o exercício pessoal ou corporativo em responder, com sinceridade, três questionamentos:
Eu posso? Eu quero? Eu preciso?
A primeira regra, “eu posso?” é a mãe das outra duas. Parece lógico, porém, é nesta regra que a maioria compromete o equilíbrio econômico e financeiro. É uma regra matemática, no entanto, a capacidade do autoengano é recorrente.
São receitas futuras, imaginárias, improváveis e até inexistentes mesmo, que são levadas em consideração para “justificar” para o córtex pré-frontal dorsolateral do nosso cérebro, aquela área responsável pelo controle ponderado das decisões (ver o neurocientista dr. William Hedgcock – Universidade de Iowa), a decisão do gasto.
Enfim, como diria o Conselheiro Acácio, personagem da obra, Primo Basílio, de Eça de Queiroz, que tinha dentre suas características dizer o óbvio, com a pompa de estar falando algo profundo: se não pode, não pode!
Ocorre que, reconheçamos, num mundo capitalista, esta tarefa de autocontrole não é fácil.
Caso passe verdadeiramente pela primeira etapa e comprovadamente possa assumir aquela despesa, enfrentemos a segunda:
Eu quero?
Talvez seja a mais subjetiva das três. O “querer” é conduzido por um sem-número de sentimentos verdadeiros, conflituosos, confusos e envolve sentimentos diversos de necessidade, pertencimento, aceitação social, reconhecimento pessoal e/ou profissional, reafirmação de gostos pessoais, sentimento de recompensa, dentre outros.
Neste conjunto de demandas, podemos enquadrar, desde uma camisa do seu time de futebol a uma caneta Mont Blanc, um anel de formatura, um carro de luxo, uma tatuagem, roupas que expressem um estilo pessoal, serviços personalizados, indo até os investimento e gastos do mundo corporativo que acontecem mais pelo “querer” dos gestores e acionistas do que, propriamente, pela necessidade empresarial do negócio.
Este capítulo nos ajuda para uma melhor compreensão, recorrer à Microeconomia - Teoria Geral da Procura, notadamente, o pensamento do economista norte-americano Thorstein Veblen em sua obra “The Theory of The Leisure Class” (1899). Em resumo, a obra trata de bens ostentatórios e que conferem status social ou mesmo reconhecimento imediato ao consumidor.
Neste aspecto, por exemplo, aquela tatuagem, camisa de clube, ingresso a um show, roupas de grife, bares temáticos ou da moda, dentre outros itens de consumo similares, podem oferecer ao consumidor algo a mais do que a utilização original daquele produto ou serviço , pois, podem emprestar ao consumidor, um sentimento de pertencimento que se constitui em um adicional intangível. Assim, se inserem nesta categoria do autoengano do “eu quero”.
Claro, muitas decisões de consumo decorrem da simples, verdadeira e genuína satisfação pessoal. O desafio é separar qual decisão é, realmente, pelo consumidor sentir satisfação num enfoque pessoal e qual decisão é influenciada pela tentativa de parecer algo ou pertencer a determinada condição ou ainda por achar que as pessoas irão considerar que ele, o consumidor, deveria gostar deste produto ou serviço.
Passando pelo critério matemático do “eu posso” e, consciente de que realmente “eu quero”, livres do autoengano, temos a última etapa do consumo consciente:
“Eu preciso?”.
Esta etapa se situa no meio do caminho entre a fase matemática e a impulsiva. Entre o “eu posso” e o “eu quero”. O “eu preciso” nos proporciona um certo controle da decisão. Afinal, objetivamente, se eu tenho um carro, minha demanda está atendida. Não “preciso” de dois. Afinal, não posso dirigir dois ao mesmo tempo. Se eu tenho um caminhão que atende as demandas de distribuição da minha empresa, se comprar um segundo, um ficará ocioso, portanto, o acionista pode até poder e querer, mas não precisa.
Portanto, o autoengano costuma atuar também nesta etapa e levar o consumidor a crer que ele realmente precisa daquilo que, objetivamente, não precisa.
Para melhor compreensão e decisão deste tópico é oportuno conhecermos a Teoria da Utilidade Marginal.
Dentre os principais economistas da corrente marginalista podemos citar William Stanley Jevons, Leon Walras e Vilfredo Pareto.
Em resumo, esta Teoria, que revolucionou o estudo da Economia no final do século XIX, introduzia a subjetividade na análise econômica. Assim, trazia para análise econômica a importância das necessidades humanas e a forma como os indivíduos procuravam satisfazê-las.
A Teoria propôs que a utilidade marginal (adicional) dos bens consumidos é decrescente, ou seja, a utilidade adicional do consumo vai caindo à medida que mais unidades são consumidas. Exemplo clássico: a água. O 1° copo d’agua vale para o consumidor que está com sede, mais do que o 3° copo d’agua, que vai encontrar o consumidor com menos sede. Já o 5° copo d’agua não terá valor algum, pois, a demanda já está plenamente atendida.
Portanto, a técnica do “eu posso”, “eu quero” e “eu preciso” se baseia, majoritariamente, nas Teorias de Veblen e na Teoria da Utilidade Marginal”.
Assim sendo, a elaboração de um orçamento e seu fiel cumprimento pode ajudar a trazer para a empresa ou para o cidadão o tão desejado equilíbrio econômico e financeiro.
Ao fim e ao cabo, o dinheiro é uma unidade monetária, uma riqueza finita, algo que, muito ou pouco, exige disciplina e respeito, em contrapartida, somos movidos por desejos, sentimentos, emoções e ideias. Um dos desafios para alcançar um orçamento equilibrado e conquistar o equilíbrio econômico financeiro é um consumo consciente.
Domar nossos sentimentos a um limitador matemático e demais regras de consumo não é fácil. Ocorre que a oferta é extremamente científica e organizada para tirar o máximo de nossos recursos e precisamos nos preparar como empresários e/ou cidadãos para este enfrentamento.
- Escrito por Marcio Borba;
- Economista;
- Diretor da Borba Consultoria;
- Presidente da Sociedade Pernambucana de Planejamento Empresarial - SPPE.