Direitos autorais: é preciso pedir para criar um meme?
Se existe uma instituição que realmente funciona no Brasil, é a responsável pela criação de memes. Vídeos, frases, fotos de anônimos e celebridades, intervenções para diferentes expressões de humor, etc. Se te fez rir, pode virar meme. O sucesso desse tipo de linguagem típica da internet é tanto que existem páginas dedicadas a criá-los e também compartilhá-los nas principais redes sociais.
É o caso de arrobas famosas como Saquinho de Lixo e Melted Videos. Ambos os perfis de humor contam com mais de 1 milhão de seguidores apenas no Instagram e mais de 100 mil no Twitter. Com um alcance tão grande, gerenciar esse tipo de humor na internet acaba não sendo uma tarefa tão simples.
Para não perder nem o amigo, nem a piada
No dia a dia da Melted Videos, criada pelo paulista Felipe Misale, 34, em meados de 2014, os memes passam por uma curadoria antes de irem ao ar e levam em consideração direitos autorais e respeito ao próximo.
“Hoje, a gente pensa muito mais no outro lado, daquela pessoa de quem pegamos aquele material. Com a prática, ao longo desses anos, fomos aprendendo a não simplesmente pegar aquilo lá e repostar. Tudo o que a gente faz na internet tem uma implicação ética, enfim, a gente tem que pensar muito no outro lado”, diz Misale.
Os pernambucanos da Saquinho de Lixo também buscam por um cuidado maior na hora de escolher o que postar tanto no Twitter, quanto na página do Instagram. Além de reuniões com a equipe de seis pessoas, que serve como um termômetro na hora de escolher a publicação, eles também contam com a ajuda dos próprios seguidores para identificar conteúdos em que não é possível encontrar a autoria.
“A gente preza muito em dar os créditos, principalmente, quando sabemos de onde veio. Mas, no geral, quando não temos como saber, esperamos que a galera marque nos comentários o autor para que possamos colocar o crédito", diz Rodrigo Almeida, co-fundador do grupo.
Caiu na rede não quer dizer que seja peixe
A preocupação de Misale e de Almeida é válida não apenas por uma questão de ética, mas também jurídica. De acordo com o professor de Direito Alexandre Saldanha, “A legislação de direitos autorais trabalha com duas regras gerais, uma sobre a atribuição de crédito e a outra sobre o uso estar ou não autorizado”, ou seja, ao reproduzir uma imagem no intuito de transformá-la em um objeto de humor, é preciso não apenas dizer quem fez, mas - dependendo do caso - pedir autorização de uso.
O professor compara a criação de memes com a paródia, uma exceção descrita na Lei de Direitos Autorais. “É uma situação de uso livre. Se eu quiser parodiar não preciso pedir autorização. Se o uso tem uma finalidade lucrativa aí já muda de aspecto. Ainda que seja uma página de humor, se ficar considerado que houve intuito de lucro pode representar uma violação da Lei”, diz Saldanha.
No caso dos conteúdos replicados, Davi Moraes, também co-fundador da Saquinho de Lixo, reforça ser preciso seguir algumas regras para que todo mundo fique satisfeito. “A gente identifica nossas postagens originais. É meio como fosse uma 'ética do meme', postagens originais você coloca o seu arroba e, naquelas que não são, você também não pode retirar o arroba da página que fez o conteúdo originalmente”, explica.
Respeite a vontade do autor
Outro ponto que Misale considera é a reivindicação do material por quem o fez. “Às vezes, acontece da gente pegar um TikTok e repostar na melhor das intenções e a pessoa falar assim 'não, eu simplesmente não quero. Aquilo estava lá no meu TikTok, é meu, é para os meus amigos e eu não quero viralizar, não quero ser um meme '”, conta ele, que também garante receber o inverso. “Tem o lado contrário, pessoas que imploram para que você reposte o material delas” conta.
Felipe afirma que o processo após a postagem precisa considerar a vontade do usuário e que eles não usam seu alcance e popularidade para ofender ninguém. “Muitas das páginas de humor estão virando empresas, então isso tem uma implicação legal no fim. As pessoas mais sérias e comprometidas estão se informando para fazer isso da melhor forma. Nunca aconteceu da gente colocar alguém em situação vexatória. Se tratando de trabalho, da profissão de uma pessoa, não é o caso de expor assim”, conta.
Old, but Gold
A Lei dos Direitos Autorais, de número 9.610, entrou em vigor em 1998 e sua principal premissa é proteger a criação intelectual de qualquer reprodução, distribuição e alteração de uma obra, sem o consentimento de seus autores.
Para o professor Alexandre Saldanha, “O grande problema é que a nossa legislação de direitos autorais foi escrita numa época em que a cultura digital era quase inexistente. Quando surge e amadurece a internet, cultura do compartilhamento, cultura da participação, os memes e tal, os direitos autorais entram em crise, porque não surgiram novas regras para novas situações”.
Para ele, a solução para que todas as partes saiam contentes quando há embates de autoria é tentar encontrar encaixes na Lei. “O que tenta se fazer é interpretar as regras antigas, conforme vão aparecendo os novos usos”, explica.
Guia básico para fazer um meme
- Se for compartilhar uma imagem ou vídeo de terceiros, dê o crédito
- Se quiser usar a obra de outra pessoa para criar um meme, lembre de pedir autorização ao autor;
- Memes “escapam” de punições da Lei de Direitos Autorais quando usados apenas para fins humorísticos, mas, ao serem usados em publicidades, é necessário pedir autorização prévia do autor da obra original;
- Para criar memes, dê preferência a obras que já são públicas ou que não violem os direitos autorais morais ou direitos autorais patrimoniais de alguém;
- Passe longe do ‘Kibe’. Não copie memes de terceiros sem dar o devido reconhecimento;
Respeite a vontade do autor. Caso o dono da imagem compartilhada não queira seu material veiculado em forma de meme, tire-o do ar.
Punição para quem viola os direitos autorais
O crime de violação de direito autoral está previsto no art. 184 do Código Penal e prevê pena de detenção, de 3 meses a 1 ano, ou multa que vale de 10 a 30% do valor que deveria ser originariamente pago, sem prejuízo das perdas e danos.
