A TV Aurora entrevista Maria da Penha no 14º aniversário da Lei nº 11.340
Nesta sexta-feira (7), a Lei nº 11.340, mais conhecida como Lei Maria da Penha, completa 14 anos e, para marcar a data, a jornalista Isabela Pontes entrevistou a própria Maria da Penha. O nome da lei se deve ao fato da ativista ter sofrido um grande caso de violência doméstica, em 1983, sendo o retrato do que acontecia no Brasil, quando as mulheres eram violentadas pelos seus companheiros e os agressores não eram punidos.
Graças à repercussão do caso Maria da Penha, foi aberto um debate entre o Legislativo, o Executivo e a sociedade. O resultado desse diálogo foi o Projeto de Lei n.º 4.559/2004 da Câmara dos Deputados, que chegou ao Senado Federal. O projeto foi aprovado por unanimidade nas duas casas.
Durante a entrevista, a ativista relata como podemos mudar essa cultura machista e promover a defesa da mulher. Na entrevista, Maria da Penha dá conselho às mulheres que estão inseridas no ciclo da violência, sob o medo e a opressão, e que, neste momento, estão em isolamento social com seus agressores. A ativista fala, ainda, sobre a necessidade do compromisso dos gestores para criação de políticas públicas que abranjam todos os eixos necessários para que a mulher possa ter uma vida digna.
Confira a entrevista:
Como cultivar e ensinar às crianças a ter respeito pelas mulheres desde cedo e não seguir no caminho de uma cultura machista?
A mudança cultural precisa de tempo para acontecer e precisa passar, impreterivelmente, pela educação. No relatório do meu caso, emitido pela OEA (Caso 12.051 - Maria da Penha x Brasil), existe uma Recomendação (4E) que diz que deve ser adotado nos currículos escolares, de todos os níveis de ensino, uma disciplina que trate dos direitos das mulheres e dos conflitos intrafamiliares. Esta mesma recomendação encontra-se no Art. 8º da Lei Maria da Penha. Mas precisamos da vontade e do compromisso dos gestores públicos para transformar essa recomendação em uma política de Estado. O que existe hoje, são projetos pontuais. Precisamos investir na educação se quisermos desconstruir a cultura machista e patriarcal e construirmos uma sociedade de paz.
Como as mulheres chefes de família podem encontrar auxílio do Governo para viver numa sociedade mais justa e equitativa?
De cada 10 lares brasileiros, quatro são chefiados por mulheres (Pnad 2015). É preciso existir políticas públicas que abranjam todos os eixos necessários para que a mulher possa ter uma vida digna. Essas políticas públicas devem ser na área da saúde, saúde mental, programas de autonomia financeira, inserção no mundo do trabalho, enfrentamento à violência doméstica e familiar contra a mulher, dentre outras.
Qual deve ser o real papel da sociedade em prol da proteção contra as mulheres?
É necessário entendermos que todos e todas podemos cumprir nosso papel de transformadores sociais e podemos fazer parte da rede de apoio da mulher em situação de violência. A frase “Em briga de marido e mulher não se mete a colher” não pode ser mais utilizada e nem aceita nos dias de hoje. Hoje nós temos uma Lei, batizada com o meu nome, que veio para resgatar a dignidade da mulher brasileira e esta mesma lei possibilita que a denúncia, em caso de violência doméstica, possa ser feita não somente pela vítima e essa denúncia pode ser inclusive anônima.
Qual a saída para fortalecer as mulheres carentes que dependem financeiramente e emocionalmente do seu companheiro?
Mais uma vez reitero a necessidade da criação de políticas públicas, como por exemplo o Centro de Referência da Mulher. Este equipamento possui atendimento psicossocial e jurídico para acolher a vítima de violência e juntamente com ela, traçar uma estratégia para que esta mulher consiga romper o ciclo da violência no qual está inserida e muitas vezes nem se dá conta. Programas de autonomia financeira também são muito importantes, pois sabemos que a falta de capacitação profissional e independência financeira são fatores que fazem com que a mulher suporte por mais tempo a situação da violência.
A senhora que é símbolo e exemplo de resistência, qual conselho a senhora daria para uma mulher que sofre violência doméstica?
Eu diria que não é fácil mudar de vida. Existe o medo, a vergonha, o receio de não conseguir refazer a vida, criar os filhos sozinha..., mas é importante saber que “quando a violência acaba, a vida recomeça”. Quebre o silêncio. Compartilhe a sua situação com alguém da sua confiança. Esse é o primeiro passo para se romper com o ciclo da violência. Hoje não precisamos mais sofrer caladas. Hoje contamos com a Lei Maria da Penha. E lembre-se: em caso de emergência ligue 190. Para denúncias, ligue 180.