Plantas Alimentícias não Convencionais (Pancs) oferecem diversidade à culinária brasileira
O sentimento de cuidado com a natureza, em especial pós-Era Covid, a queda na economia e o aumento das feiras orgânicas, faz surgir um novo olhar sobre o ‘prato nosso todo de cada dia’. Antes chamadas de Plantas Alimentícias Alternativas, agora intituladas Plantas Alimentícias Não Convencionais, prometem ganhar cada vez mais o gosto dos brasileiros. São as chamadas ‘Pancs’, plantas ricas em valor nutricional e que não estão sendo utilizadas à mesa.
Pancs
A gente conversou com o ‘pai da nomeclatura Pancs’, Valdely Kinupp, biólogo que reside em Manaus e autor do livro inédito “Plantas Alimentícias Não Convencionais (PANC) no Brasil”, resultado de 10 anos de trabalho do doutor em fitotecnia - horticultura, junto com Harri Lorenzi, dois dos maiores estudiosos de plantas no Brasil.
Bíblia das Pancs
Com mais de 700 páginas e 2.500 fotos, a obra apresenta plantas nativas e exóticas cultivadas no Brasil com suas características morfológicas, informações sobre seu uso geral e receitas. Ao todo, são apresentadas 351 espécies de plantas e 1.053 receitas de drinks, bolos, pudim, geléia e risotos, entre outros. Em breve, o manual será traduzido para o francês e terá desdobramentos em outros países.
Sair da mesmice
O esforço de Kinupp é vencer o uso das Pancs apenas como algo folclórico ou de modismo. É fazer o brasileiro sair da mesmice na hora das refeições. Para isso, a sugestão é continuar com os alimentos usuais, agregando as plantas não convencionais ao cardápio. “Nosso trabalho não é no sentido de substituir e sim de incorporar as plantas. São opções de pratos para os onívoros (quem come de tudo) e não apenas para os veganos ou vegetarianos”, explica o estudioso.
Nutrição
A tendência surge num contexto de importância da preservação ambiental, com mínimo impacto possível; necessidade de valorização do mercado interno e geração de empregos com mão-de-obra local. Outro ponto levantado é que a boa alimentação reflete diretamente na saúde.“Quando consumimos sempre os mesmos alimentos, caindo na monotonia alimentar, deixamos de absorver uma variedade de nutrientes essenciais à nossa saúde”, explica a nutricionsita Carol Estevam.
Sem desperdiços
O uso das Pancs é também para garantir a sustentabilidade dos alimentos. Segundo Kinupp, é usar as plantas integralmente, trazendo outras utilidades alimentares ou funcionalidades para as casca, caroços, talos, cascas, folhas e sementes, sem desperdícios. "Com o consumo integral dos alimentos, podemos aumentar a densidade nutritiva das preparações e ainda reduzir o desperdício. Geralmente, são ricos em fibras, ferro, vitC,vit A , potássio e outros. Muitas vezes, em quantidades superiores às da polpa do vegetal, por exemplo", complementa a doutora em nutrição.
Amazônia
Nesse sentido, surgem os restaurantes na mesma linha. Já conhecidos entre os brasileiros, temos o DOM e o Dalva e Dito, do famoso Alex Atala, em São Paulo. Quando saímos dos triviais, em Manaus, encontramos o Caxiri, da chef Debóra Shornik, e o Shin Suzuran, esse último combina a culinária oriental com os insumos da Amazônia. O chef Hiroya Takano é especialista em pancs locais e traz à mesa, por exemplo, sunomono de vitória-régia com lichia e o tempurá de urtiga.
Arvo
Sem ir tão longe, aqui no Recife, os estabelecimentos começam a introduzir essa cultura na mesa do pernambucano. É o caso do Arvo, que oferece mais de 60 opções de plantas comestíveis em seu menu e conta com uma horta no local. “O brasileiro escolheu algumas espécies para consumir e não valoriza ou não conhece outras. Mais de 90% das plantas comestíveis que a natureza oferece, a gente não consome. Temos uma gama de ingredientes disponíveis na natureza, uma enorme variedade de sabor, que se adapta ao solo e ao clima local. Precisamos ampliar nosso repertório com alimentos que estão no nosso quintal”, afirma o chef Pedro Godoy, do Arvo, que funciona num arborizado casarão no bairro do Torreão.
* A reportagem especial sobre Pancs cotinua na próxima edição da nossa coluna.