Trump: transação, sim. Ideologia, não. O fim de uma era
O que vemos é uma era insólita. Uma espécie de improvável Darwinismo social
"Tudo que a Europa sonha a América realiza".
Jean Baudrillard (1929-2007), filósofo francês.
A ideia de Estado vem da República de Roma. Tomou forma com Montesquieu e a tripartição do poder: Executivo, Legislativo e Judiciário. Na França que sucedeu à Revolução de 1789. Sua inspiração foi o equilíbrio. Entre Poderes, entre nações, entre pessoas. O Estado atua via tributação e via regulação. Para melhorar o perfil da renda. E evitar oligopólios. No caso das nações, o consenso é apurado por organizações multilaterais. Como ONU e OMC.
Esse modelo vem do pós-guerra, em 1945. Apoiado pelo plano Marshall. De ajuda à recuperação da Europa. Com a guerra fria, nos anos 60 e 70, a disputa entre duas potências, Estados Unidos e União Soviética, enfraqueceu a formação da vontade internacional. Na década dos 90, com o empoderamento da China de Deng Xiao Ping, a fragilidade da ONU agudizou. O impasse decisório congelou no poder de veto dos cinco membros do Conselho de Segurança. Nesse contexto, surgiu um fato novo: a liderança popular-nacionalista de Donald Trump.
Ele chegou com medidas contrárias a consertos da modernidade: Acordo de Paris, políticas da Organização Mundial de Saúde e perdão para violadores da Constituição. Alimentando política de incentivos fiscais a corporações. E redução de impostos a ricos sob alegação de estimular a economia. A aproximação do neopolítico com as big techs de Elon Musk, Mark Zuckerberg, Jeff Bezos e Tim Cook, ornamentou a estratégia. E lhe deu força inédita. Sua retórica política foi inflada na mediocridade de postura errática de Joe Biden. A agressividade verbal de Trump, acentuando América grandiosa sem explicar como fazê-lo, demoliu a posição de Biden, inseguro. À parte a consideração sobre o fato de Trump assumir o cinismo, do ponto de vista filosófico, será útil para avaliar a questão na perspectiva brasileira.
O cerne da política de Trump se baseia em muitos negócios e pouca ideologia. Daí a aliança com as corporações tecnológicas. Influindo, via mídias sociais, na opinião pública. Juntando poder da comunicação e do dinheiro. Ele pensa concretizar uma plutocracia. Capaz de acelerar crescimento, incrementar lucro e acumular poder. Não se recusa a conversar com Vladimir Putin. Nem com Xi Jiping (para quem telefonou após a eleição) e com qualquer outro líder. Desde que haja negócio. Sob tal tapeçaria de risco, há sinistro projeto de poder. Aliando o homem mais poderoso do mundo com os empresários mais ricos do planeta. Não lutam por uma causa social. Ou econômica. Não há um propósito institucional. Trata-se de manipular o poder. Puro. Cintilante. Envolvente. E estéril.
A organização do Estado, e sua evolução histórica, desenhando as linhas civilizatórias, foi o caminho semeado pelo conceito do equilíbrio. Equilíbrio entre Poderes, nações e pessoas. Visando nutrir a democracia. Sugerindo a utopia de menos desigualdade. O que vemos é uma era insólita. Uma espécie de improvável Darwinismo social. Que, por suas contradições, será transitória. Há um contrapoder no jogo: países democráticos, organizações multilaterais, o capitalismo, o humanismo. Nasce uma nova era.