Uma governadora e dois modelos
O feminino em Pernambuco é um gesto de lucidez. É um ato de fé. A história de Pernambuco testemunha
Pernambuco é másculo. Masculino. Mas Pernambuco também é feminino. É feminino no teatro de Geninha Rosa Borges. É feminino no cinema de Katia Mesel. Na literatura de Luzilá Ferreira. Na pintura de Teresa Costa Rego. Na economia de Tânia Bacelar. Na publicidade de Cecília Freitas. Na magistratura de Margarida Cantareli. Na educação de Maria do Carmo Miranda. E é feminino na política.
O feminino em Pernambuco é um gesto de lucidez. É um ato de fé. A história de Pernambuco testemunha o valor do feminino nesta terra. Recordo dois exemplos: o de dona Brites de Albuquerque (1517-1584), mulher de Duarte Coelho, possuidor da província pernambucana. E o de dona Anna Paes (1617-1674), proprietária do engenho Casa Forte. Dona Brites foi organizadora, estimulou a produção de açúcar, manteve a paz na província. Na ausência do marido em Portugal, governou Pernambuco. Fez a política da administração.
Por sua vez, dona Anna Paes foi uma mulher à frente de seu tempo. Geriu, à época, o maior engenho pernambucano, Casa Forte. Lidava bem com escravos e comerciantes. Casou a segunda vez com um holandês e assumiu o calvinismo. Lutou por Pernambuco contra o invasor. No calor da guerra, perdeu a propriedade, incendiada. Terminou seus dias na Holanda. Mas, na memória pernambucana, seu destemor ficou impresso. Guerreira, fez a administração da política. Geriu pessoas e emoções.
Três séculos e meio depois, Pernambuco elege uma mulher governadora: Raquel Lyra. E outra mulher, vice-governadora: Priscila Krause. Na primeira metade do mandato, Raquel Lyra foi dona Brites. Fez a política da administração. Na segunda metade do mandato, mudando-se para o PSD, Raquel Lyra é dona Anna Paes. Fazendo a administração da política. Gestão de pessoas.
O secretário Gilberto Kassab, presidente do PSD, veio ao Recife abonar a ficha da governadora. Não chegou de bolsos vazios. Num dos bolsos, trouxe guardado um projeto de candidatura presidencial. Em 2026. Na espera que o capitão desinterdite o caminho. Essas palavras, escritas na beira do Capibaribe, sob estrelas de noite de outono, são laços do pensar. Lenços do ver. Que as cinzas do Carnaval deixaram de lembrança. Para calibrar o sol do próximo verão eleitoral. À esquerda, a solidão de Lula. No impasse biológico. Cercado de deserto bem cultivado. À direita, impasse ideológico. Alguns nomes e uma interdição. A ultradireita. Masculino, feminino. Paixão e voto. Pernambuco feminino também sabe envernizar a história. E polir o tempo.