'Atypical' chega ao fim com simplicidade e amadurecimento de personagem
Não é de hoje que a palavra “diversidade” vem sendo utilizada frequentemente para relacionar movimentos fora dos padrões estabelecidos na indústria televisiva e cinematográfica. Dentro do universo da TV – que acompanha um crescente espaço para novas perspectivas –, o termo “inclusão” também começa a deixar sua marca desde personagens coadjuvantes até protagonistas.
Discretamente, séries como “Supernatural” e “Grey’s Anatomy” inseriram personagens surdos nos seus roteiros. Poderia ter um espaço maior? Claro, mas aqui tudo não passou de, no máximo, dois episódios. É um começo. Vale salientar que nos casos citados as produções usaram uma atriz realmente surda: Shoshannah Stern interpretou uma caçadora e uma médica, respectivamente. A atriz Lauren Ridloff segue o mesmo exemplo, interpretando a primeira personagem surda em “The Walking Dead”.
Em 2017 tivemos outros bons exemplos, agora com maior destaque. Séries como “The Good Doctor” e “Atypical” trazem protagonistas dentro do espectro autista nas tramas. Nos dois casos, contudo, os atores são neurotípicos – estão fora do espectro.
O posicionamento da produção da Netflix dentro e fora das telas é o que faz a despedida de “Atypical” ser tão inconveniente. Gostaríamos de toneladas de episódios. Acontece que por optar trazer um ator não diagnosticado com autismo como intérprete do personagem principal, a série pode levantar alguns estereótipos. Mas lá atrás, na segunda temporada, Sam entra na faculdade e começa a conviver com outros autistas – agora sim, interpretados por pessoas com TEA (Transtorno do Espectro Autista).
Nesse ponto, o roteiro leva o público à naturalização do que nem deveria ser uma questão. Ao colocar um grupo de pessoas autistas indo para a faculdade, fica claro que a autonomia tanto desejada na migração da adolescência para a fase adulta, é algo que pode ser alcançada por todos.
E “amadurecimento” é a palavra que traz o desfecho da quarta e última temporada de “Atypical”. Também colocaria “amor” e “vínculo parental”. Com todo clima de despedida, a série praticamente não usa reviravoltas no roteiro, muito menos efeitos gráficos em cenas. É na simplicidade que ela encanta, na rotina de uma família e nos problemas circunstanciais. Previsível, sim, mas delicada e leve como deve ser.
“Atypical” entra para o grupo seleto de séries feitas para a identificação do outro. Pela importância de naturalizar todos os tipos de pessoas. Há por aí quem se veja diferente e não encontre seu lugar no mundo, mas quando essas pessoas olham para a tela, acompanham personagens vencendo desafios e lidando com dilemas parecidos com os dela e pensam “ei, eu sou feito esse/essa protagonista!”, é aí que a magia acontece.
*Fernando Martins é jornalista, escritor e grande entusiasta de produções televisivas. Criador do Uma Série de Coisas, escreve semanalmente neste espaço. Acesse o Portal, Podcast e redes sociais do Uma Série de Coisas neste link.
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