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Crítica: Série "You" destaca tipos de predadores e alerta sobre exposição em redes sociais

Ator Penn Badgley, de "Gossip Girl", sai da sombra de Dan Humphrey para interpretar stalker em nova série - Divulgação

Por não ser muito fã de histórias ambientadas em escolas ou faculdades, “You” (Você), nova série da Lifetime distribuída pela Netflix, não me chamou atenção pela sinopse. Talvez por ter os mesmos diretores executivos de “Riverdale” e conter no elenco Shay Mitchell – intérprete de Emily Fields, em “Pretty Little Liars” – terminei caindo na armadilha de considerar que essa história seria mais do mesmo: adolescentes entrando na vida adulta ao mesmo tempo em que lidam com um assassino em potencial. Embora eu me sinta atraído por narrativas que envolvem serial killers e investigações, cheguei a considerar “You” apenas mais uma série sobre um tema já bem desgastado. Que bom que me enganei.

Não li o livro homônimo, escrito por Caroline Kepnes, em que a série se baseia, mas me permiti saber de alguns spoilers enquanto formava uma opinião mais concreta sobre o trabalho da showrunner Sera Gamble. Ao que percebo, a criadora cuidou para que a adaptação agradasse os fãs antigos, vindos da literatura, e os novos, assíduos da Netflix. Pela forma como o roteiro foi desenvolvido, com ou sem intenção, nota-se uma divisão em fases em que se evidencia o amadurecimento e uma nova perspectiva para os personagens principais. Apesar de saber que o objetivo de se ler uma sinopse é, sobretudo, para subsidiar a nossa decisão em assistir ou não à série (ou ao filme, etc.), reconheço que, no caso de “You”, isso seria um erro, já que duas linhas não são capazes de resumir todas as etapas do relacionamento da protagonista, causando uma impressão equivocadamente rasa acerca de uma produção que mergulha em relacionamentos destrutivos.

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Joe (Penn Badgley) é o gerente de uma livraria que se apaixona à primeira vista por uma de suas clientes, Beck (Elizabeth Lail). A jovem sonha em, um dia, se tornar uma escritora reconhecida. Por outro lado, à medida que vê nos livros uma ferramenta de estudo inesgotável, Beck se torna objeto de pesquisa do personagem de Badley, que nutre uma curiosidade obsessiva pela garota. Com o propósito de especular até que ponto é saudável stalkear ("perseguir" as atividades de determinada pessoa nas redes sociais) alguém, a série soube construir bem a vulnerabilidade da protagonista – tão incômoda nesse clichê de mocinha indefesa e ingênua que deixa o celular e computador sem senhas, por exemplo – como algo que inevitavelmente também podemos ser, mas que quando atinge o exagero, essa “cegueira” pode causar problemas na percepção de um relacionamento abusivo e controlador, tanto nas amizades quanto nos amores.

A vontade do público pelo próximo episódio é construída pelo fato da história ser mais comum do que se imagina, causando aquela boa e velha identificação ou proximidade em quem assiste. Na minha experiência como telespectador, lembrei de pelo menos dois ou três casos envolvendo stalkers e pessoas no meu círculo de amigos. A semelhança assusta e traz a reflexão nessa era dos millennials, quando as redes sociais costumam ser, assim como é para Beck, uma vitrine (ou aquário) da rotina para os predadores do lado de fora, tornando o tema que a série aborda muito pertinente à época de início de ano e um incentivo à mudança de hábitos.

Quando o piloto destaca o casal protagonista, caímos no equivoco de supor que, como vilão e mocinha, os personagens estão fadados a perder e vencer, respectivamente. Mas, quando se olha para o todo, o conjunto revela um leque de situações bem desenvolvidas que leva o telespectador a pensar quem é antagonista e protagonista, quem está errado, ou até se existe alguém cem por cento isento de culpa. Fugir do óbvio é um dos pontos fortes de “You”.

A busca por veracidade em algumas cenas pode ser um ponto negativo para alguns. É ligeiramente desconfortável uma série que tem como base situações tão reais, colocar Joe salvando Beck dos trilhos do trem de forma tão teatral, com direito a “queda” em que os dois corpos param com o rosto colado e pose de casal apaixonado. Ou, ainda, o fato do personagem stalker ficar tanto tempo, diariamente, observando sua presa em frente ao apartamento da moça, sem ser notado ou chamar atenção do bairro, sendo que os Estados Unidos têm uma política severa entre vizinhos sobre a vigilância na rua.

Em contrapartida, o uso da voz de Joe em off, narrando todos os episódios, é interessante para entender a mente por trás do perseguidor, ainda que raramente Beck tome o lugar da narrativa – essa alternância pode dividir opiniões, mas é válida para alimentar um pouco a curiosidade de saber o que outras pessoas pensam sobre aquele fato. O público tem a chance de ouvir a justificativa de Joe para atos socialmente reprováveis. E nessa busca solitária por alguém que o entenda, numa autorreflexão que mostra grande consciência de si mesmo, através de uma indicação literária, o gerente da livraria faz de sua história a metáfora de ‘outro monstro’, o clássico do terror “Frankenstein”, de Mary Shelley, em um ato secreto de justificar uma personalidade sombria, mas empática em certo sentido.

A propósito, embora o personagem Joe, em “You”, tenha pontos em comum com Dan Humphrey, em “Gossip Girl”, como o fato de ambos serem de classe média e não se encaixarem em grupos de pessoas ricas, o ator Penn Badgley soube se distanciar e sair da sombra da garota do blog em uma atuação que nos lembra vagamente o queridinho Dexter Morgan, assim como fez Darren Criss vivendo um serial killer em “American Crime Story: O Assassinato de Gianni Versace”, que lhe rendeu o Emmy de melhor ator em minissérie. Já a atriz Shay Mitchell, conhecida pelo seu papel em “Pretty Little Liars”, demora a entrar no personagem de melhor amiga perigosamente controladora, sendo preciso de três a quatro episódios para deixar de enxergarmos Emily Fields.

Se quisermos saber mais sobre determinada pessoa, entrar em suas redes sociais parece ser o meio mais prático de conseguir informações rápidas. “You” questiona até que ponto isso é válido quando a geração Y possui formas de comunicação que beiram a inconsequência e que chegam a provocar a reprovação de gerações anteriores. Com a segunda temporada confirmada e em pré-produção pelo canal Lifetime, a série de Sera Gamble não deixa de fora outros tipos de predadores, indo desde o padrasto que bate na mulher ao orientador de faculdade casado que assedia alunas. Também causa reflexão quando vemos que icloud, instagram e nuvem podem funcionar como uma brecha para nossa vida, que pessoas íntimas podem curtir e comentar, mas por onde, também, pessoas como Joe podem espiar. “Filmes de ficção científica estão muito errados, a tecnologia é nossa amiga”. Quem dera fosse.



YOU (VOCÊ)
Número de temporadas: 1.
Episódios: 10.
Média de duração: 40min/ep.
Cotação: 4/5.

Fernando começou a assistir a séries de TV e streaming em 2009 e nunca mais parou. Atualmente ele acompanha mais de 200 produções e já assistiu mais de 6 mil episódios. A série mais assistida - a favorita - é 'Grey's Anatomy', à qual ele reassiste com qualquer pessoa que esteja disposta a começar uma maratona. Facebook: Uma série de Coisas. Instagram: @umaseriedecoisas. Twitter: @seriedecoisas_ Blog: Uma Série de Coisas.

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