‘Dirty John’ é uma história real sobre golpe e cárcere psicológico
Há quem diga que nunca caiu em um golpe, isso pode ser verdade. Mas, afirmar que nunca acontecerá pode ser um equívoco. Só em 2017, no Brasil, segundo um relatório da Norton Cyber Security, 62 milhões de pessoas foram vítimas de crimes cibernéticos. Engana-se quem acha que, por ser ausente da internet, está imune de passar por isso. Existem pessoas especializadas em dar golpes em comerciários e em clonagem de cartão de crédito e telefone celular, por exemplo. Há, ainda, quem se relacione romanticamente com outra pessoa, apenas para causar prejuízo financeiro ou pior.
Os exemplos, embora tenham abordagens diferentes, possuem uma coisa em comum: a existência de um ou mais vigaristas dispostos a ludibriar alguém por qualquer motivo. É pela ótica de uma vítima que “Dirty John” conta uma história real e precisa sobre os meios usados pelos golpistas e sobre a vulnerabilidade humana. A minissérie de oito episódios ficou disponível no serviço de streaming Netflix, na última quinta-feira (14). A produção é baseada em alguns relatos reais de artigos sobre crimes, contados por Christopher Goffard em seu podcast, no jornal Los Angeles Times. Na vida real, John Meehan seduzia mulheres e se casava com elas para roubar seu dinheiro.
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A atriz Connie Britton (indicada ao Globo de Ouro deste ano pela sua personagem em “Dirty John”), conhecida pelas séries “Nashville” e “American Horror Story”, interpreta a personagem Debra, uma mulher rica e independente, que já passou por quatro divórcios e resolve entrar em aplicativos online de relacionamentos. De cara, já é possível perceber, pela sua impaciência em alguns encontros casuais, que a protagonista está um pouco propensa a interpretar erroneamente os sujeitos que se dispõe a conhecer. Quando um médico charmoso, interpretado pelo ator Eric Bana ('Hulk', 'Te Amarei Para Sempre'), marca um encontro com ela, Debra já está levemente desesperada para depositar sua confiança em alguém que a faça se sentir bem e confortável.
A escolha do elenco para os papéis principais faz muito sentido. A construção da personalidade dos dois personagens é o que mais chama atenção na minissérie. A cegueira de Debra diante do relacionamento precoce se torna preocupante na mesma medida da mudança no olhar de John, de amistoso para predatório, enquanto todos ao redor da protagonista, incluindo suas duas filhas, tentam alertá-la para o perigo iminente, visível para todos, menos para ela.
A boa atuação do elenco, no entanto, não deve tirar o que deveria ser o foco principal do público que assiste à história: o modo como John vai conquistando a confiança de Debra é o segredo para que o telespectador entenda a minissérie e alcance o aprendizado proposto nos episódios. Na vida real, muitos são envolvidos em narrativas feitas unicamente para tirar a atenção das vítimas para o perigo. Na série acontece exatamente a mesma coisa. É desconfortante para o público dividir a verdade com os personagens que tentam alertar Debra das reais intenções de seu namorado.
A devoção e a negação, no caso de Debra, caminham juntas. Os pontos fortes dela como indivíduo servem aqui como seu calcanhar de aquiles. Por sempre querer ajudar o próximo e por ser bondosa e empática, ela acaba relutando em aceitar que seu papel no casamento não seja o de esposa e seja apenas mais um número na conta de mulheres enganadas por Meehan. Pensamentos clichês como “mas ele é tão bom pra mim” e “não tem problema, eu tive três amigas que conheceram seus maridos online” ilustram a resistência tão conhecida dentro e fora da trama.
Nesses tempos em que nos questionamos diariamente sobre o que é a verdade, “Dirty John” presta um serviço social importante ao dar uma aula sobre o ‘nascimento’ do assédio moral em um relacionamento abusivo, e acerca da construção invisível da prisão emocional que uma pessoa pode exercer sobre a outra. Esse aprendizado pode ser retirado da ficção e ser inserido em qualquer nível de troca entre dois indivíduos: pessoas da mesma empresa, uma amizade, membros da família ou aquele estranho que para você na rua para vender algo que você acha que não precisa até que ele te convença.
DIRTY JOHN
Número de temporadas: 01.
Episódios: 08.
Média de duração: 45min/ep.
Cotação: 5/5.
Fernando começou a assistir a séries de TV e streaming em 2009 e nunca mais parou. Atualmente ele acompanha mais de 200 produções e já assistiu mais de 6 mil episódios. A série mais assistida - a favorita - é 'Grey's Anatomy', à qual ele reassiste com qualquer pessoa que esteja disposta a começar uma maratona. Facebook: Uma série de Coisas. Instagram: @umaseriedecoisas. Twitter: @seriedecoisas_ Blog: Uma Série de Coisas.
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