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“Disclaimer” põe Cate Blanchett no olho de um thriller psicológico inquietante

Alfonso Cuarón mistura a narrativa literária com a do audiovisual em minissérie da AppleTV+

A vencedora do Oscar, Cate Blanchett, protagoniza minissérie bem desenvolvida por Alfonso Cuarón - Reprodução

A minissérie “Disclaimer”, estreada pela Apple TV+ e dirigida por Alfonso Cuarón, é um thriller psicológico que combina o talento de Cate Blanchett ("O Aviador", "Blue Jasmine") com uma narrativa densa e atmosférica. A produção, baseada no romance homônimo de Renée Knight, apresenta uma história que coloca Blanchett como Catherine Ravenscroft, uma jornalista investigativa que, ao receber um livro misterioso, percebe que ele explora um segredo obscuro de seu passado. Quando Catherine se torna a personagem principal da narrativa do livro, tudo o que construiu, entre carreira e família, é ameaçado – e o suspense cresce enquanto ela tenta descobrir a identidade do autor e os motivos que o levaram a reviver este passado enterrado.

“Disclaimer” faz uso de uma estrutura interessante, com uma estética de áudiobook em primeira pessoa que instiga, alternando entre a perspectiva de Catherine e a de personagens coadjuvantes. Essa escolha permite uma imersão mais direta nas vozes dos envolvidos, como se o público estivesse lendo o livro que a minissérie adapta.

A decisão de Cuarón de trabalhar nesse estilo narrativo não é gratuita, ela cria uma conexão interessante entre o leitor e o espectador, unindo públicos e intensificando a atmosfera intimista, familiar para os amantes de literatura e intrigante para o público do audiovisual.

Cate Blanchett domina a tela, explorando os traumas e conflitos de Catherine com maestria. Sua performance faz jus a uma personagem marcada por segredos, trazendo uma atuação que sustenta o ritmo da série mesmo em seus momentos mais lentos.

Ao lado dela, nomes como Kevin Kline e Sacha Baron Cohen entregam performances que colaboram para o clima tenso que permeia cada episódio, enquanto Kodi Smit-McPhee e Lesley Manville também dão nuances importantes a esse quebra-cabeça psicológico.

O título disclaimer é carregado de significado e serve como um prenúncio para a jornada da protagonista. "Disclaimer" em inglês refere-se a uma declaração de isenção de responsabilidade, uma nota que exime o autor de certas afirmações ou possíveis consequências. Na minissérie, o termo ganha uma camada profunda ao evocar as tentativas de Catherine de se desvincular de seu passado e de manter uma “isenção” de culpa sobre eventos que ela tentou suprimir ou ignorar. Conforme o segredo exposto no livro ameaça sua reputação e família, a história de Catherine questiona a verdadeira função de um disclaimer: seria possível isentar-se das próprias ações? O termo, portanto, torna-se um eixo central que representa a luta da personagem para entender se pode, de fato, se eximir dos acontecimentos que moldaram sua vida.

A direção de Cuarón é peça-chave na estrutura de “Disclaimer”, que ecoa alguns de seus trabalhos anteriores, como “Os Filhos da Esperança” (2006) e “Roma” (2018), onde o drama individual se amplia em algo universal e pungente. O estilo visual do diretor, com suas escolhas precisas de enquadramento e o uso de silêncios e sombras, funciona aqui para sugerir o peso dos segredos e a fragilidade da verdade.

Cuarón consegue transformar uma trama de mistério em algo que é ao mesmo tempo profundamente psicológico e envolvente, sem se prender a truques fáceis de thrillers tradicionais.

“Disclaimer” não é uma série convencional de mistério. É um thriller que explora as consequências da verdade e a forma como nossas histórias pessoais podem ser distorcidas quando postas em público. Cuarón, Blanchett e um elenco de peso nos entregam uma produção que, com seu ritmo deliberado e enfoque narrativo diferenciado, desafia o formato e prova que é possível criar um suspense psicológico que também seja um estudo sobre os limites da memória, identidade e moralidade.

*Fernando Martins é jornalista e grande entusiasta de produções televisivas. Criador do Uma Série de Coisas, escreve semanalmente neste espaço. Instagram: @umaseriedecoisas.

*A Folha de Pernambuco não se responsabiliza pelo conteúdo das colunas.

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