Documentário de true crime da Netflix investiga casos pelas ruas de Nova York e Los Angeles
Com 10 episódios, brutalidade dos crimes e o foco dos investigadores se destacam nas temporadas
No crescente catálogo de true crime da Netflix, "Homicídio" se destaca como um documentário que retrata crimes brutais e oferece uma visão íntima e detalhada do trabalho investigativo. Cada temporada (duas até agora) foca em diferentes cidades americanas – Nova York e Los Angeles – revelando os homicídios e os bastidores das forças policiais que os investigam. Com cinco episódios por temporada, a série consegue equilibrar o peso dos crimes com a complexidade humana dos investigadores, resultando em uma obra que prende o público até o fim.
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Dos criadores de "Law & Order", a primeira temporada, intitulada "Homicídio: Nova York", nos leva ao coração de Manhattan, dividindo a atenção entre duas grandes unidades de homicídios: Manhattan Norte e Manhattan Sul. Essa escolha, embora aparente simplicidade, revela a vasta complexidade dos crimes da cidade que nunca dorme. Os detetives entrevistados são a âncora emocional e técnica da temporada, enquanto as histórias de homicídios, narradas de forma contínua, quase como se fossem episódios de um romance policial, se entrelaçam em um ritmo que cai bem na narrativa.
Embora os casos abordados não estejam interligados, a maneira como são apresentados em sequência confere à temporada uma sensação de continuidade, como se cada assassinato fosse parte de um quebra-cabeça maior – o retrato de uma cidade assombrada pela violência. O interessante aqui é como o documentário evita o sensacionalismo, ainda que quase ultrapasse essa linha, mantendo o foco no aspecto humano: não nos corpos encontrados, mas nas mentes que trabalham para resolver os casos.
Na segunda temporada, "Homicídio: Los Angeles", a série faz uma transição para o Condado de Los Angeles, que abriga o maior departamento de xerifes dos Estados Unidos. Aqui, a escala se expande, assim como a brutalidade dos crimes. Se em Nova York o ritmo das investigações é acelerado, em Los Angeles o foco recai sobre a vastidão do território, com o Condado de Los Angeles quase servindo como um "personagem" adicional na trama.
O Departamento de Xerife se depara com assassinatos e desaparecimentos complexos, o que adiciona uma camada extra de tensão à temporada. Novamente, o grande mérito da série está na escolha de deixar os detetives e policiais ocuparem o centro da narrativa. Suas histórias, experiências e até frustrações dão a sensação de que estamos assistindo, para além de uma série documental, um estudo sobre como a violência molda a vida dos que a combatem.
A narrativa do crime como um fio contínuo
Uma das qualidades de "Homicídio" é o uso inteligente da continuidade narrativa - como uma série comum faria. Embora cada episódio foque em um crime distinto, a montagem e a narrativa visual sugerem uma progressão fluida entre os casos. Isso é, ao mesmo tempo, um acerto e uma escolha ousada: o público é levado a se engajar de forma profunda na experiência investigativa, mergulhando na rotina desses detetives, enquanto cada novo episódio é uma peça diferente de um quebra-cabeça fragmentado.
Ao invés de isolar os crimes como casos pontuais, o documentário parece intencionalmente mostrar que a investigação de homicídios, embora envolva vidas e mortes individuais, é um trabalho contínuo e quase rotineiro para aqueles que estão envolvidos. Essa escolha editorial traz oportunidade para os oficiais defenderem um ponto: a normalização do horror, o dia-a-dia em que encontrar corpos, interrogar suspeitos e lidar com a tragédia humana pode parecer apenas mais um turno para alguns, mas não é verdade para quem vive na pele.
Foco no humano evita o sensacionalismo
Num gênero que muitas vezes é criticado por explorar o trauma das vítimas e familiares para obter audiência, "Homicídio" faz sua abordagem de maneira respeitosa. O verdadeiro protagonismo aqui é dado aos profissionais encarregados de solucionar esses crimes, deixando os detalhes gráficos em segundo plano. Isso não significa que a brutalidade dos crimes seja minimizada, mas a escolha do que mostrar e como mostrar é cuidadosamente calibrada para evitar a fetichização da violência.
Em cada temporada, há uma ênfase constante na metodologia da investigação e no comprometimento dos policiais, principalmente na importância do teste de DNA como ferramenta na solução de casos antigos, já que na época dos crimes não havia essa possibilidade. Os detetives entrevistados trazem à tona o aspecto emocional de suas jornadas profissionais, revelando tanto o peso psicológico quanto o impacto emocional de trabalhar com a morte diariamente. Esse foco na humanidade – tanto das vítimas quanto dos investigadores – traz uma dimensão emocional que muitas produções do gênero ignoram ou exageram.
"Homicídio" vai além da simples narração de crimes brutais. Oferece ao espectador uma perspectiva multidimensional, onde o peso da vida e da morte não é carregado apenas pelas vítimas, mas também pelos profissionais que se dedicam a resolver esses mistérios. O documentário nos faz refletir sobre o que significa investigar homicídios em grandes cidades, onde a violência, embora perturbadora, acaba se tornando parte da rotina.
Assista ao trailer:
*Fernando Martins é jornalista e grande entusiasta de produções televisivas. Criador do Uma Série de Coisas, escreve semanalmente neste espaço. Instagram: @umaseriedecoisas.
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