Enredo de “Maid” destaca ciclo de violência doméstica em gerações

Minissérie estrelada por Margaret Qualley é a mais vista da plataforma

Margaret Qualley e Rylea Nevaeh Whittet na série 'Maid' - Divulgação/Netflix

Parece que os assinantes da Netflix estão empenhados em boas histórias. Depois de "Round 6" se tornar a série mais vista da plataforma, foi a vez de "Maid" ganhar visibilidade, virando a minissérie mais assistida até agora. A produção é baseada em uma história real e traz temas delicados e sensíveis sobre maternidade, relacionamentos abusivos, ciclos familiares destrutivos, além de criticar a utilidade dos programas governamentais dos Estados Unidos, que deveriam servir de auxílio, mas na prática pouco funciona. 

"Maid" tem como protagonista Alex, interpretada por Margaret Qualley. Uma jovem mãe que decide fugir de casa no meio da noite com a filha Maddy, de 2 anos. O motivo é mais que justificável: seu namorado (Nick Robinson) é violento e embora nunca tenha a agredido fisicamente, os abusos psicológicos foram vários - vemos a dinâmica ao longo dos episódios.

Alex não tem uma rede de apoio ideal, seus amigos são os amigos do namorado, que tentam ser neutros porque o rapaz tem problemas com a bebida. Os pais de Alex são divorciados. O pai (Billy Burke), embora apareça oferecendo ajuda algumas vezes, não parece ser uma escolha para a filha, descobrimos os porquês mais tarde. Já a mãe, interpretada por Andie MacDowell (curiosidade: a atriz é mãe de Margaret também na vida real), leva uma vida cigana com o novo namorado de caráter duvidoso. Ainda que em situações extremas Alex recorra à mãe, ela também aparenta ser alguém que precisa de assistência. 

A angústia da responsabilidade 

O objetivo de Alex é conseguir estabilidade financeira e psicológica, pensando constantemente no futuro da filha. Ao longo de 10 episódios, acompanhamos a saga cheia de desafios e obstáculos de uma jovem sem nada e que precisa recomeçar. Para citar alguns problemas, ela precisa sair de um relacionamento abusivo, lidar com a inconstância da mãe e procurar um lugar para morar, já que o apartamento cedido pelo governo deu mofo.

Quando consegue emprego como faxineira, o salário não é suficiente, Alex recorre aos programas governamentais, mas na prática nada funciona. Ela precisa de emprego para manter o aluguel e as necessidades básicas, mas para isso precisa colocar um endereço fixo na documentação, que ela não tem porque precisa de dinheiro. O sistema está quebrado e ela está sozinha. 

A velha identificação 

A minissérie acerta na ambientação da personagem. A empatia com Alex é conquistada logo no piloto. Em pouco tempo os problemas da protagonista se tornam os problemas do público. É difícil assistir a trajetória dela sem ficar angustiado. Cada pequena conquista vem acompanhada de outras dificuldades. A questão do relacionamento abusivo é bem desenvolvida na história. O que Alex vive, outras mulheres da minissérie também viveram. 

Do lado de cá, as redes sociais estão cheias de lives e rodas de conversa sobre violência doméstica, seja física ou psicológica. "Maid" deve ganhar esses espaços, trazendo consistência para este assunto que deve estar em alta sempre.

Abuso psicológico: um crime menosprezado

Outro ângulo importante na minissérie da Netflix é o conflito judicial entre Alex e o pai da sua filha. Ele nunca a agrediu fisicamente, mas entre os abusos psicológicos estão os socos na parede e a limitação dos direitos básicos de Alex. "Antes de morder, ele late. Antes de te bater, o soco é na parede", alerta uma personagem. 

Mesmo com os vários alertas, os trâmites judiciais não são tão efetivos como seria se Alex tivesse sido espancada e apresentado marcas no corpo. Para comprovar o abuso psicológico é preciso uma testemunha, mas entre quatro paredes quem poderia presenciar? Os mais próximos são omissos. A situação é complicada e revoltante. 

Há várias Alex pelo mundo

Ser baseada em uma história real ajuda para que a minissérie mostre tudo que ela precisa desse universo, mas o mérito também vem da atuação do elenco. Margaret transforma Alex em alguém que poderíamos facilmente conhecer na vida real, ela é inocente e feroz ao mesmo tempo. Corajosa e vulnerável. Acompanhar sua luta é doloroso como se estivéssemos vendo uma amiga - ou a si própria. 

Nick também faz um bom trabalho, finalmente interpretando um papel que corresponde à sua idade. Para quem não reconheceu, o ator ficou popular quando interpretou um rapaz gay em "Com amor, Simon" (2018), também interpretou um adolescente que se envolve com a professora na minissérie "A Teacher" (2020). Em "Maid" ele aparenta estar mais velho e seu personagem carrega maior complexidade.

É sempre tempo de recomeçar

"Maid" é a minissérie ideal para o momento. Alex passa por todas as fases que vítimas de abuso psicológico passam, a expectativa de vê-la vencer é enorme e cada conquista da personagem mostra que outras mulheres também podem.

Se você é vítima de violência doméstica e abuso psicológico, procure um amigo, fale com alguém. As denúncias podem ser feitas na Delegacia Especializada de Atendimento à Mulher, Casas da Mulher Brasileira ou na Defensoria Pública. Os números são o 190 (Polícia Militar) e 180 (Central de Atendimento à Mulher).


*Fernando Martins é jornalista, escritor e grande entusiasta de produções televisivas. Criador do Uma Série de Coisas, escreve semanalmente neste espaço. Acesse o Portal, Podcast e redes sociais do Uma Série de Coisas neste link

*A Folha de Pernambuco não se responsabiliza pelo conteúdo das colunas

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