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Entrevista: roteirista brasileiro conta sobre experiência de estar em “Grey’s Anatomy”

Beto Skubs entrou para a equipe da maior série médica americana na 18ª temporada

"Grey's Anatomy" exibe sua 18ª temporada nos Estados Unidos - Reprodução

A série “Greys Anatomy” está no ar desde 2005 e, claro, conquistou uma legião de telespectadores fiéis pelo mundo afora, incluindo o Brasil. Agora, os fãs brasileiros podem se orgulhar de ter um pedacinho do país no programa. O roteirista Beto Skubs, natural de Pìracicaba, no interior de São Paulo, passou a integrar a equipe de uma das maiores séries americanas da TV, a partir da 18ª temporada - atualmente em exibição nos Estados Unidos.

Em entrevista à Folha de Pernambuco, o roteirista paulistano contou um pouco das suas inspirações, a rotina de trabalho na TV, pandemia e planos para o futuro. Leia:

USDC: É muito legal ver brasileiros se destacando pelo mundo afora. Como o Beto de Piracicaba se tornou o Beto roteirista de "Grey's Anatomy"?

BS: Com muito trabalho, estudo, coragem, e paciência. Quando eu era pequeno, nem imaginava que Hollywood existia. Mas sempre fui influenciado pela minha mãe, Denise, a ler bastante, e isso ajudou muito, desde bem pequeno. Descobri talento para escrever, mas não sabia exatamente o que, nem como transformar isso em profissão. Fui fazer faculdade de jornalismo, e quando descobri uns curtas-metragem do curso de rádio e TV, a coisa clicou: “Ah, é isso que eu quero escrever. Roteiros!” Mas a virada mesmo veio quando recebi uma bolsa de estudos CAPES-Fulbright para vir estudar na UCLA, em Los Angeles. Vendi um roteiro ainda na faculdade, e aos poucos, a coisa engrenou. Fiz muitos freelas daqui para o Brasil, trabalhei dois anos na Globo. E quando retornei, recebi essa oferta incrível do “Grey’s”.

USDC: Dentro do que você pode revelar, como é a rotina de trabalho dentro da produção de uma das séries mais populares da TV?

BS: Meu dia a dia é sala de roteiro. Temos uma equipe grande, muitos episódios para produzir, e a série tem muitos crossovers com nossa “série-irmã”, “Station 19”. Então, 90% do meu trabalho é estar na sala de roteiro, discutindo histórias, personagens, arcos, objetivos, etc. Quando tenho um episódio para escrever, passo a focar nisso, até o episódio ficar bom o suficiente para ser enviado para a produção. Daí, viro produtor e vou para o set acompanhar as filmagens. Depois disso, volto à sala de roteiro, enquanto ainda recebo materiais da filmagem, corte do diretor para dar notas, até o episódio estar fechado. E aí começa tudo de novo!

USDC: Algo te influenciou (um filme, uma série, um livro) quando mais novo que te fez enveredar pelo caminho da narrativa para a tv?

BS: Star Wars. Mas curiosamente, não tanto os filmes. Eu assisti Star Wars por influência do meu amigo Guto, e me apaixonei de cara. Mas, minha paixão mesmo por Star Wars veio quando li uma trilogia de livros que continuava a história dos filmes. Daí eu descobri que existia um monte deles, e fui atrás. Mas eles só existiam em Inglês (eu devia ter uns 12 ou 13 anos.) E eu não sabia Inglês. Eu saí da livraria meio triste, mas pensei: “Quer saber? Vou aprender inglês pra ler esse livro”. Dei meia-volta, comprei o livro e um dicionário de Inglês, e demorou pra caramba pra ler! Mas quando terminei, sabia mais Inglês, e acabei lendo uns 90 livros de Star Wars! Aí descobri os roteiros dos filmes na internet, tratamentos antigos, e entendi o trabalho que existia por trás das câmeras que eu nem imaginava. Mas foi só mais tarde, já na faculdade, que eu pensei: “Isso é profissão? Quero fazer isso!”. Mas Star Wars foi o início da minha curiosidade por roteiros de audiovisual.

USDC: E atualmente, para escritores e roteiristas, quais séries são um bom exemplo de base para a criação de boas histórias e personagens?

BS: Cada um tem suas influências. Mais ainda do que séries de base, a história pessoal e as experiências de cada um são muito importantes. Eu tenho as minhas favoritas. “Lost”, “Breaking Bad”, “Sopranos” estão entre minhas favoritas de todos os tempos. Em comédia, “Friends”, “Arrested Development”, “The Office”, “The Simpsons”, muita coisa. Das atuais, tenho assistido “For All Mankind” e “Foundation” na Apple TV+, as séries da Marvel na Disney+, “Succession” na HBO, “Pose”, do meu amigo Steven (que tem um personagem chamado Beto em minha homenagem!) no FX, “The Boys” na Amazon Prime Video… eu assisto muita coisa mesmo. E aí também tem filmes, música, video-games, livros, tudo isso influencia.

USDC: Na sua opinião, o que é essencial em um roteiro?

BS: O roteirista ter sua própria voz. Filtrar suas experiências de mundo através das suas habilidades e seu talento, e contar uma história que só você pode contar. Ter algo a dizer. Ter um pouco de talento e ter muito estudo é o mínimo. O resto é você quem tem que trazer para a mesa.

 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 

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USDC: Quando assistimos aos bastidores de séries e filmes, vemos que não existe apenas um roteirista, mas uma equipe com vários. Como você lida com esse trabalho conjunto? Cada um é responsável por um episódio/cena ou todos contribuem constantemente em tudo?

BS: É minha parte preferida de trabalhar com TV, o processo criativo. Adoro a sala de roteiro. Todos contribuem constantemente em tudo, sim. E aí cada um é responsável por um episódio, ou pela maior parte dele, mas ainda assim ele é escrito a partir de todas as coisas discutidas e conversadas e combinadas diariamente pela equipe, na sala. Temos também equipe de consultoria médica, assistentes, pesquisadores, todos vitais para o processo. Então, embora você seja responsável pelo “seu” episódio, tudo na verdade é colaborativo, e existe uma hierarquia, uma liderança que dá nosso norte criativo.

USDC: Nas séries, diferente dos filmes, geralmente o clímax é construído a cada episódio, de maneira mais dinâmica. Como causar esse efeito no público sem perder a fidelidade ao longo da temporada?

BS: Personagens. Se você tiver ótimos personagens, você já tem meio caminho andado. Grandes personagens são meios de se contar muitas histórias diferentes, de colocar sua visão de mundo neles, de contar suas histórias através desse meio. Personagem primeiro, trama depois. No caso de séries como “Grey’s”, que chamamos de “procedurals” [séries que tem o caso-da-semana] acaba ajudando, pois além das tramas contínuas dos personagens fixos, temos os personagens “emprestados”. Por outro lado, dá um trabalhão criar histórias para vários pacientes toda semana, além de ter que atender a todos os personagens fixos. E os personagens evoluem com o tempo e com as histórias.

 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 

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USDC: A relação escritor-telespectador é muito forte em séries populares. A própria Shonda Rhimes é mencionada entre brincadeiras de fãs como a pessoa que mata os personagens queridos, fazendo sempre a gente esperar pela próxima morte. No seu trabalho, essa relação com quem assiste influencia nos episódios seguintes ou você trabalha no que acredita ser mais verossímil para sua história, independente da opinião?

BS: Embora eu seja vagamente ciente do que os fãs pensam, isso não norteia, e nem pode, as histórias que a gente escreve. Até porque o “fandom” não é uma mente coletiva única onde todos concordam entre si com tudo - um quer isso, outro quer aquilo, o outro quer aquilo outro. Falo isso como fã que sou também das minhas séries favoritas, filmes, livros. Na sala de roteiro, entre a liderança criativa da showrunner e seus braços-direitos, as histórias que cada um traz, as habilidades que cada um tem, temos que dar conta disso. Além disso, os roteiros são escritos e os episódios são filmados muito antes de ir pro ar, então não é como se conseguíssemos parar e ficar ajustando baseado no episódio da semana passada. Ou seja, a gente escreve o que acha melhor para cada personagem, para cada trama, para cada episódio. São 18 temporadas e ainda estamos na liderança da audiência, então acho que está dando certo!

USDC: "Grey's" acabou de entregar uma temporada emocionante sobre a pandemia. Você integra a equipe em uma temporada onde o vírus já foi erradicado. Na vida real, até que ponto as limitações de gravações impostas pela COVID-19 continuam interferindo em ajustes de roteiro no aspecto criativo?

BS: O “Grey’s” e o “Station 19”  tiveram essa atitude corajosa de abraçar a pandemia e os acontecimentos do ano passado, não somente a pandemia, mas o clima político, os protestos antirracismo, e não se acovardou na hora de abordar certas histórias. Mas embora haja essa decisão criativa de ir para frente, pois já fizemos (fizeram, pois eu ainda não estava aqui) a parte difícil de falar sobre isso, temos que lembrar que a pandemia não acabou ainda. Vacina, máscaras, e acreditar na ciência e nos experts, no mundo real, é tão importante quanto era no ano passado. Há limitações, sim. Os protocolos de segurança, principalmente no set, são muito rígidos. Eu, por exemplo, como profissional com acesso ao set, tenho que fazer três testes de COVID por semana. Nossa sala de roteiro ainda é pelo Zoom, por segurança. No set, todo mundo de máscara o tempo todo, exceto os atores enquanto as câmeras estão rodando. A equipe tem que diminuir um pouco de tamanho, a quantidade de pessoas em cena. Temos muitos protocolos e respeitamos tudo à risca. A partir da autorização final da vacina da Pfizer aqui, a Disney passou a exigir a vacina a todos os funcionários, felizmente. Mas ainda há limitações e somos todos muito responsáveis nesse sentido.

USDC: Fala um pouco dos planos para o futuro, você pretende continuar trabalhando com roteiros para a tv, tem algum projeto em andamento ou gostaria de ir para a indústria cinematográfica?
 
BS: Pretendo ficar na TV o quanto puder! Tenho um projeto original, que é uma parceria com alguns nomes muito importantes aqui de Hollywood, e com o diretor e produtor brasileiro David Schurmann. É uma história incrível baseada na vida real de uma pessoa do Brasil, e não vejo a hora de começar a desenvolver isso. Sobre cinema, se aparecer alguma ideia ou algum projeto muito legal, sou aberto a isso sim. Mas meu foco hoje é na TV.

USDC: Como menciono no início, é muito legal ver um pouco do Brasil em algo que o público ama. Que recado você dá para os fãs brasileiros e, principalmente, para roteiristas iniciantes?

BS: Para os fãs brasileiros, obrigado pelo carinho. Recebo muitas mensagens de pessoas orgulhosas por ter um brasileiro na sua série favorita, e isso por outro lado me deixa cheio de orgulho e felicidade. Com o “Grey’s”, o carinho e a alegria das pessoas pela minha participação aqui, eu tenho postado algumas coisas no Instagram para retribuir. Muito obrigado! Para roteiristas iniciantes, estudem muito. Roteirista é profissão igual a médico, engenheiro e programador de computador. Precisa aprender tudo antes. Faça contatos, encontre a sua turma, não pule etapas. A competição é brutal e as coisas podem demorar para acontecer - se você não estiver preparado para passar por isso, melhor encontrar algo mais estável. Se depois de ouvir todas as pessoas que vão tentar te derrubar dessa ideia no meio do caminho, você ainda assim não desistir, é porque tem uma boa chance de chegar lá!

“Grey’s Anatomy” exibe, nos Estados Unidos, a 18ª temporada. No Brasil, os novos episódios tem data de estreia marcada para o dia 25 de janeiro pela Sony. As 17 temporadas anteriores podem ser assistidas pela Netflix e Amazon Prime Video. 

*Fernando Martins é jornalista, escritor e grande entusiasta de produções televisivas. Criador do Uma Série de Coisas, escreve semanalmente neste espaço. Acesse o Portal e redes sociais do Uma Série de Coisas neste link

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