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Estreias de novembro no cinema conectam histórias e a essência da consciência negra no Brasil e no mundo

Produções entram em cartaz na próxima semana com reflexões sobre ancestralidade e música

Novo longa da A24 estreia em 21 de novembro - Divulgação

A coluna Uma Série de Coisas assistiu antecipadamente aos lançamentos de "Todas as Estradas de Terra Têm Gosto de Sal" e "Razões Africanas", dois filmes que, embora distintos em abordagem, oferecem narrativas que honram as raízes afrodescendentes e colocam a consciência histórica no centro do debate. 

Com estreias na próxima semana, ambas as obras exploram não apenas o impacto da difusão do povo africano, mas também as emoções, os sons e os silêncios que conectam o passado ao presente.

"Todas as Estradas de Terra Têm Gosto de Sal"

O novo drama da A24, dirigido por Raven Jackson, é menos um filme no sentido narrativo convencional e mais uma experiência sensorial. Com imagens captadas em 35mm, a produção utiliza sons, gestos e silêncios para construir um mosaico temporal da vida de Mackenzie, uma mulher negra no Mississippi, em quatro décadas distintas.

A diretora rejeita a linearidade e convida o público a entrar na intimidade de Mackenzie através de fragmentos: o ruído dos passos no solo, o canto dos pássaros, o eco das perdas e alegrias. Em vez de diálogos explicativos, a câmera de Jackson se fixa em detalhes: o toque de uma mão, um olhar sustentado, o movimento de um corpo em silêncio.

Essa escolha estilística pode alienar espectadores acostumados com narrativas tradicionais, mas para aqueles dispostos a se entregar à proposta, o filme oferece uma profundidade já utilizada, sim, mas ainda rara. A ausência de palavras amplifica a força dos gestos, transformando o cotidiano em poesia visual. Ao final, "Todas as Estradas de Terra Têm Gosto de Sal" é menos sobre Mackenzie como indivíduo e mais sobre as nuances que moldam a experiência de ser humana.

"Razões Africanas"

Em contraste com a primeira produção citada, "Razões Africanas", dirigido por Jefferson Mello, segue outro caminho: o da investigação histórica e cultural por meio da música. O documentário conecta o jongo brasileiro, a rumba cubana e o blues americano, rastreando suas origens na África e explorando como esses ritmos foram moldados pela separação do povo africano.

A estrutura do documentário é convencional no melhor sentido. Alternando entre depoimentos de músicos como Lazir Sinval, Eva Despaigne e Terry ‘Harmonica’ Bean, imagens vibrantes de Angola, Mali e Congo, e entrevistas com especialistas, Mello constroi uma narrativa rica em contexto. O documentário apresenta as conexões entre os três ritmos, mas também celebra suas singularidades, revelando como cada um se desenvolveu em resposta às realidades históricas e culturais de suas terras.

O uso das paisagens africanas não é meramente ilustrativo; é uma homenagem às raízes desses sons. Os instrumentos, os cantos e as danças carregam séculos de história, que o documentário busca honrar, sem simplificar. A escolha de Jefferson em dar voz aos músicos, pesquisadores e às comunidades que vivem essa herança diariamente confere ao longa uma autenticidade que ultrapassa o didatismo.

Diálogo entre passado e presente

Embora sejam obras muito diferentes, os dois trabalhos se encontram na sua essência: a valorização da memória e a celebração da identidade afrodescendente. "Todas as Estradas de Terra Têm Gosto de Sal" explora a interioridade de uma mulher negra, usando sons e imagens para mapear uma vida que, embora individual, ressoa universalmente. Já "Razões Africanas" expande essa visão, destacando como as raízes culturais africanas permeiam continentes e moldam culturas globais.

O silêncio do longa de Jackson é um espaço de introspecção, um modo de comunicar o indizível. Em "Razões Africanas", o som dos instrumentos, as notas e os depoimentos carregam o peso de uma história muitas vezes esquecida.

A Semana da Consciência Negra reforça a relevância dessas obras, principalmente como ferramentas de reflexão. Jackson e Mello oferecem aos espectadores uma chance de ouvir e enxergar as histórias que muitas vezes ficam à margem — seja nos cantos do Mississippi, nos batuques das savanas africanas ou nas esquinas das serras brasileiras.

No final, esses filmes nos lembram que a memória não é estática. É um terreno fértil, onde o presente pode reimaginar o passado e, quem sabe, pavimentar um futuro mais consciente e conectado.

*Fernando Martins é jornalista e grande entusiasta de produções televisivas. Criador do Uma Série de Coisas, escreve semanalmente neste espaço. Instagram: @umaseriedecoisas.

*A Folha de Pernambuco não se responsabiliza pelo conteúdo das colunas.

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