Guillermo del Toro redefine o terror com seu “Gabinete de Curiosidades”

Minissérie antológica tem oito episódios disponíveis na Netflix

Vencedor do Oscar, Guillermo del Toro é mestre de cerimônia em sua nova minissérie da Netflix - Divulgação

Vencedor do Oscar por “A Forma da Água” (2017) e conhecido principalmente por “O Labirinto do Fauno” (2006), chegou a hora do cineasta Guillermo del Toro apresentar mais criaturas no seu “Gabinete de Curiosidades”. Disponível na Netflix, a minissérie traz oito episódios antológicos de aproximadamente uma hora de duração, ou seja, com histórias diferentes e sem relação entre eles – além do gênero de terror e fantasia. 

Mesmo sendo reconhecido pelo seu trabalho como diretor, Toro é, na minissérie, o showrunner e principal produtor executivo. Com seu nome no título, tudo faz parte de um conceito maior escolhido pelo idealizador do projeto: apresentar cada episódio como mestre de cerimônias enquanto convida oito diretores (ou diretoras) para comandar um capítulo. Mas o formato escolhido por del Toro, ainda que diferente, não chega a ser inédito, embora seja bem-vindo.

Cuidado com as expectativas

Quem procura uma série de terror para dar sustos ou para se chocar com cenas de mortes pesadas e afins pode ter certa quebra de expectativa ao assistir “O Gabinete de Curiosidades de Guillermo del Toro”. O trabalho do cineasta sempre foi mais voltado para a fantasia, questionando os enredos mais tradicionais do gênero, vemos isso, por exemplo, nos longas citados no início desta coluna. 

Na minissérie da Netflix, esse estilo vem com mais força. A intensão é ir por um caminho clássico, na época em que o gênero de terror era impactado pela crise econômica da Primeira Guerra Mundial, ou seja, se bebia da fonte do Expressionismo e da literatura gótica para trazer narrativas com protagonistas psicologicamente abalados, Drácula e Frankeinstin, por exemplo.

Diante disso, não é coincidência que a maioria dos protagonistas de del Toro na minissérie desejam, direta ou indiretamente, fugir de suas realidades, mas acabam caindo no caminho da insanidade. 

No episódio intitulado de "Por Fora", uma mulher considerada feia para os padrões da época faz de tudo para ser incluída no grupo de mulheres bonitonas do trabalho, sua determinação a leva para lugares mentalmente instáveis. Já no episódio "Ratos de Cemitério", um ladrão de túmulos é levado à loucura quando trava uma batalha com uma população de ratos pela posse das joias dos cadáveres.  

Um convite ao passado

Existem várias maneiras de se fazer terror. Quando se entende que “O Gabinete de Curiosidades de Guillermo del Toro” não é um terror como a bem-sucedida “A  Maldição da Residência Hill”, também da Netflix, procurar as referências pode ser mais enriquecedor. 

De toda forma, del Toro não se prende apenas aos clássicos. Ele também brinca com elementos de outras épocas do cinema, como a sanguinolência das décadas de 1960 a 1980. Mas não posso deixar de mencionar duas produções clássicas que estão diretamente ligadas ao que o cineasta quis criar na minissérie.

A primeira referência nostálgica vem do longa “O Gabinete do Dr. Caligari”, de 1920. O filme, dirigido por Robert Wiene, é considerado um dos grandes feitos do movimento expressionista alemão nas telonas. Na minissérie, quando del Toro aparece em cada episódio introduzindo o que vem a seguir e apresentando o diretor ou a diretora, ele está conversando com o público como Wiene fez à época, só que usando dois narradores.

Em “O Gabinete do Dr. Caligari”, dois homens conversam em um cenário pouco antes de a cena ser cortada e o filme, de fato, começar, como uma narração em flashback do diálogo. Mais tarde, algo muito parecido aconteceria na série “The Twilight Zone” (1959), dirigida por Stuart Rosenberg

Na TV, o trabalho de Rosenberg flerta com ficção científica, fantasia e terror. Tanto nesta obra, como na minissérie de del Toro, vemos um narrador introduzindo o caminho antes do público embarcar naquela narrativa. 

Como tudo se recicla, mais recentemente a série “Into The Dark” (2018) também trouxe a proposta de antologia dentro do gênero, mas sem a apresentação inicial e com um episódio por mês. Na época, a jornalista Juliana Marques entrevistou parte do elenco para a coluna Uma Série de Coisas, reveja a reportagem aqui.

De fato, Guillermo del Toro entrega tudo que se propôs a fazer nesse projeto. Subverter o gênero dando o seu toque sobre o “fazer cinema” pode nos levar a várias épocas, universos, realidades e possibilidades. O tal “Gabinete Secreto” dá margem para a criatividade infinita no qual o cineasta é mestre. Pode sair tudo de lá de dentro e podemos acompanhar pelo menos oito delas nos episódios da Netflix.

*Fernando Martins é jornalista e grande entusiasta de produções televisivas. Criador do Uma Série de Coisas, escreve semanalmente neste espaço. Instagram: @umaseriedecoisas.

*A Folha de Pernambuco não se responsabiliza pelo conteúdo das colunas.

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