“Hysteria!” resgata o terror dos anos 1980 e a paranoia do ocultismo
Max aposta em série que mistura horror e crítica social sobre os absurdos da paranoia coletiva
“Hysteria!”, a mais nova série da Max, nos transporta ao final da década de 1980, onde o conservadorismo da época pavimentou o caminho para o medo do ocultismo e das seitas religiosas. Criada por Matthew Scott Kane, a produção é um híbrido entre terror, sátira e drama adolescente, que faz malabarismos entre o absurdo do moralismo daquele tempo e as questões humanas dos seus personagens.
Com episódios lançados semanalmente no streaming, a série entrega doses bem ajustadas de suspense e humor ácido, e captura a essência de um período marcado pela desinformação e paranoia. Qualquer semelhança com os dias de hoje é mera coincidência – ou não.
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Uma sociedade à beira do colapso moral
Anos atrás, ocultismo, bruxaria e rumores de seitas satânicas foram fenômenos que transformaram medos irracionais em perseguições reais. Igrejas, escolas e até jogos como “Dungeons & Dragons” se tornaram alvo de acusações absurdas. Nos anos 1990, aqui no Brasil, o boneco Fofão e as músicas da Xuxa, por exemplo, também foram taxadas de “coisa das trevas”.
Em “Hysteria!”, esse desespero coletivo ganha forma na fictícia Happy Hollow, uma cidade de Michigan onde as tensões explodem após o desaparecimento de dois adolescentes, Faith (Nikki Hahn) e Ryan (Brandon Butler). A investigação ganha contornos surreais quando rumores de cultos satânicos começam a circular, arrastando a comunidade para um turbilhão de acusações, mentiras e violência social.
A série explora como esses medos fabricados são alimentados por instituições e figuras de autoridade, como Tracy Whitehead (Anna Camp). A fanática religiosa representa o fervor irracional que inflama pais e autoridades locais contra adolescentes que apenas tentam se encontrar em meio à confusão da juventude.
Personagens imperfeitos e narrativa rica
Uma das forças de “Hysteria!” é o elenco jovem. Dylan (Emjay Anthony) é o protagonista relutante, a tentativa desesperada de atenção o coloca no centro da controvérsia satânica. Sua banda de metal, Dethkrunch, é o ponto de convergência entre humor e tragédia. A dinâmica entre os integrantes da banda e a popularidade repentina que eles alcançam ao abraçar uma identidade sombria é um dos motores narrativos mais interessantes da série.
No lado adulto, o veterano Bruce Campbell, como o chefe de polícia, entrega uma boa atuação diante de um personagem que, a princípio, parece fazer escolhas sábias diante do desespero da população. Julie Bowen, a eterna Claire de “Modern Family”, faz uma performance inesperadamente sombria como a mãe de Dylan, uma mulher que enfrenta seus próprios demônios enquanto o caos se desenrola ao seu redor.
Um terror perspicaz
A habilidade de “Hysteria!” de combinar terror e humor é um dos seus maiores méritos. Referências a clássicos do gênero como “Halloween” são utilizados de maneira inteligente e sem cair no clichê. O programa constroi sua própria identidade ao equilibrar elementos nostálgicos com uma abordagem mais contemporânea, que não tem medo de criticar os excessos e absurdos da época, assim como “Stranger Things”, a sua maneira, também o fez.
O uso de um design de produção retrô reforça a atmosfera da série, enquanto o roteiro investe em diálogos que capturam tanto a inocência quanto a perversidade de uma era obcecada pela moralidade superficial. Mesmo as cenas assustadoras não perdem o tom satírico que permeia a narrativa.
Reflexões atuais em um contexto retrô
Embora ambientada em 1989, o texto de “Hysteria!” traz questões contemporâneas, especialmente em um mundo onde as teorias da conspiração ainda prosperam. A série usa seu cenário histórico para investigar como o medo do desconhecido é manipulado para controlar e punir os mais vulneráveis.
Seja pela crítica ao moralismo religioso ou pela exposição das hipocrisias de uma sociedade que privilegia atletas como Ryan enquanto marginaliza adolescentes como Dylan, o programa entrega uma análise poderosa de uma era que, em muitos aspectos, reflete os dilemas de hoje.
*Fernando Martins é jornalista e grande entusiasta de produções televisivas. Criador do Uma Série de Coisas, escreve semanalmente neste espaço. Instagram: @umaseriedecoisas.
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