‘Round 6’: O que faz uma série ter sucesso?
Série sul-coreana é o mais novo viral da Netflix
O audiovisual sul-coreano tem muito o que se orgulhar. Não faz muito tempo que o longa "Parasita", do diretor Bong Joon-ho, foi destaque no Oscar e no Festival de Cinema de Cannes, ganhando a principal categoria em ambas as premiações. Recentemente, foi a vez de "Round 6", de Hwang Dong-hyuk, viralizar. A série atingiu 111 milhões de telespectadores em menos de um mês da estreia, ultrapassando "Bridgerton" e se consagrando a mais vista da Netflix.
"Round 6" tem nove episódios e apresenta um grupo de pessoas com problemas financeiros que resolvem participar de uma competição. Todos são motivados pela quantia prometida a quem completar a maratona de jogos: 49 bilhões de wons (aproximadamente R$ 221 bilhões). O único infortúnio - que nenhum dos participantes poderia prever - é que os perdedores são assassinados na frente dos outros competidores.
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No entanto "Round 6" não foi a primeira série estrangeira a viralizar ao redor do mundo, nem tampouco será a última. A coluna Uma Série de Coisas desta sexta-feira (15) reflete sobre os elementos necessários para que uma produção televisiva atinja esse nível de sucesso. Confira:
Temas relevantes e atuais
Quando uma narrativa se alinha com temas que debatemos na vida real, há grandes chances de ser mencionada nas conversas e, consequentemente, atrair mais telespectadores. Não foi coincidência que "Round 6" e "Parasita", ambas reverenciadas pela crítica, abordassem em seu texto questões sobre o capitalismo, crise financeira e política, a humilhação do trabalhador e a falta de recursos dos que estão embaixo na hierarquia.
Antes da série sul-coreana, a comoção vinha acompanhada de "La Casa de Papel", que chega ao fim em dezembro abordando as mesmas questões de classe, mas sob outra perspectiva. O resultado? As fardas dos personagens puderam ser vistas em protestos pelo mundo afora, no nosso carnaval e em outras ocasiões. Não será surpresa se vermos na próxima folia as roupas de "Round 6".
Atrelado a tudo isso está a questão a seguir.
Identificação com o público
Se temos assuntos quentes e atuais em pauta, é uma consequência haver uma identificação com o público. Um dos grandes pilares de sucesso, sem a audiência nada seria possível. A massa toma lados, defende suas opiniões e engajam os mais diversos temas: principalmente sobre o politicamente correto ou não.
Existem várias técnicas, abordagens e ângulos que podem ser usados para atrair pessoas para a série, alguns exemplos: um personagem que representa a individualidade da maioria ou um tema central da produção que desperte a necessidade de questionamento em quem assiste.
Personagens cativantes
Fãs são empenhados. Amar, odiar, amar odiar ou odiar amar, é disso que o público gosta. Personagens bem desenvolvidos, com motivações, erros e acertos, quanto mais próximo eles estiverem do ser humano na vida real, mas haverá identificação. Vamos aos exemplos?
Berlim (Pedro Alonso) deixou a história central de "La Casa de Papel" nas primeiras temporadas, mas continuou fazendo aparições em flashback desde então. Por que? Provavelmente pela boa aceitação do público com o personagem. "Game Of Thrones" tem uma grande quantidade de personagens que amamos odiar, entre eles Cersei (Lena Headey) e Jaime Lannister (Nikolaj Coster Waldau). "Dexter" nos fez torcer por um serial killer. "Breaking Bad" nos fez torcer por traficantes.
O maniqueísmo ainda é utilizado ("Round 6" rapidamente destacou o grupo dos bons e dos vilões), quando não pela produção, pelo próprio público que necessita enquadrar personagens em bons e maus. Porém, também é incontestável o paralelo com a vida real, afinal, tudo precisa parecer minimamente verídico. Nas séries dramáticas isso acontece frequentemente e rapidamente pega os telespectadores pela empatia, "This Is Us" e "Grey's Anatomy" são bons exemplos.
Um bom cliffhanger é essencial
Na tradução literal, "cliffhanger" significa "momento de angústia". O recurso é bastante utilizado nas séries, principalmente no final de cada episódio. Somos seres curiosos, precisamos saber o que vai acontecer e "Round 6" estabelece várias perguntas, provocando a curiosidade de quem assiste. Quem vai morrer? Qual o próximo jogo? Quem está por trás de tudo? E o mais importante, quem irá vencer no final? Essas são algumas perguntas que impulsionam o público a consumir o conteúdo freneticamente.
Em um ritmo maior de adrenalina, "La Casa de Papel" e "Vis a Vis" fazem isso muito bem. Nas séries que se passam fora dos streamings, o público precisa esperar a semana que vem para o próximo episódio, cortando o ritmo do "vício" de maratonar. Já nas plataformas o engajamento fica mais claro na medida que as pessoas não conseguem parar de assistir, uma vez que a maioria das temporadas são entregues em blocos.
Roteiro e direção andam juntos
A técnica é a alma do sucesso ou do fracasso de uma série. Se um roteiro não é bem desenvolvido, não aprofunda os personagens certos ou o enredo mais atrativo, dificilmente dará certo. A direção idem. Um elenco mal dirigido é perceptível pela maioria. Por isso essa dupla precisa de sincronia e alinhamento.
"Round 6" supera as expectativas em ambos. O elenco entrega o drama intenso quando necessário, mas também pincela momentos de humor. A fotografia usa cores complementares e opostas nas composições de cenários, quase como um aviso do sentimento que está por vir. Assistir à série neste aspecto é bem agradável.
Distribuição em grande escala
Por mais que seja óbvio, para viralizar, uma série precisa ser vista pela maior quantidade de pessoas possíveis. É aqui que entra o grande papel dos streamings, democratizar conteúdo e valorizar produções de culturas diferentes da nossa. Netflix, Prime Video, HBO Max, Globoplay, cada dia somos bombardeados por mais serviços de audiovisual sob demanda.
Provavelmente demoraria um pouco mais para que "Round 6" ficasse conhecida mundialmente se fosse exibida apenas no seu país de origem. Vale lembrar, ainda, que "La Casa de Papel" foi cancelada na Espanha quando não atingiu a audiência necessária, se tornando o fenômeno que é hoje depois de integrar o catálogo da Netflix.
No fim, é importante que essa visibilidade continue jogando luz para temas importantes, cumprindo o objetivo de agregar culturas, incentivando boas práticas e gerando debate. Isso, claro, com o filtro de que nem tudo da ficção pode ser convertido para o lado de cá.
*Fernando Martins é jornalista, escritor e grande entusiasta de produções televisivas. Criador do Uma Série de Coisas, escreve semanalmente neste espaço. Acesse o Portal, Podcast e redes sociais do Uma Série de Coisas neste link.
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