‘Them’: quando o horror passa dos limites

"Them" tem família negra lutando contra a segregação racial em 1953 - Reprodução/Prime Video

Histórias de ficção científica e terror – inclui-se aqui as camadas de suspense, thriller, etc – há muito tempo trazem reflexões sociais aliadas às abordagens sobrenaturais. Um exemplo positivo pode ser visto nas obras de Jordan Peele, como “Us” (2019) e “Corra!” (2017), que abordam de diferentes maneiras o racismo. Com a mesma proposta, a série “Them” chegou à Prime Video com grandes atuações e direção primorosa, mas pesando a mão em cenas perturbadoras e dispensáveis. 

Criado por Little Marvin, a primeira temporada de “Them” é ambientada em 1953 e tem como protagonistas uma família negra que se muda da Carolina do Norte para Compton, na Califórnia. A intenção do grupo é viver uma vida longe das leis segregacionistas que imperavam na época, mas tudo dá errado. Ao chegar no bairro – composto inteiramente com moradores brancos – as dificuldades de adaptação se mostram presentes desde o primeiro dia, com vizinhos hostis e assombrações que começam a aparecer dentro da casa.

Ao longo dos 10 episódios, a família é agredida de maneira gradativa: insinuações e preconceitos são verbalizados pelos vizinhos, peripécias de crianças brancas são acobertadas pelos pais. Em alguns momentos não sabemos de onde vem os ataques, se dos racistas ou das aparições assombrosas – a motivação dos fantasmas também é um mistério. Até aí, presenciamos indignados os absurdos que a população negra viveu na época e vive até hoje. Até que chega o episódio de número cinco.

 A proposta de “Them”, explicada de maneira mais direta nos últimos episódios, pretende relembrar os casos de injustiça racial vivida alguns anos atrás e o que isso gerou nos dias atuais. Para quem não presenciou a época, assistir os episódios pode se tornar um grande tormento, principalmente com a abordagem que a série apresenta a partir da segunda metade da temporada. Cenas gráficas de tortura, estupro e violência física e mental parecem ter como única intenção ferir os telespectadores. 

É justificativo que um enredo que pretende abordar qualquer tipo de temática abusiva queira conscientizar e mostrar o que acontece na vida real, mas “Them” parece usar a crueldade única e puramente para traumatizar o público. Chegar ao fim da série é uma tarefa difícil. A grande cena de ruptura acontece quando uma jovem mãe negra é estuprada por dois homens brancos enquanto seu bebê é espancado até a morte. Será mesmo que precisaríamos da cena dentro de um contexto visivelmente intenso? Depois disso as cenas se tornam frequentes e piores. 

No começo de cada episódio, há avisos de gatilhos e, especificamente nos capítulos mais devastadores, um convite para que o público leia entrevista dos criadores sobre as intenções de inserir as tais cenas chocantes. Sobre alertas de conteúdo sensível é uma escolha justa da edição, mas uma história que precisa que seus telespectadores leiam suas explicações não pega bem. 

Infelizmente, o exagero das cenas é o que fica na cabeça, excluindo da mente qualquer reflexão que a série possa querer passar. O viés sobrenatural é esquecível diante do resto, chegar até o final é para poucos. Apesar de suas qualidades, falta em “Them” uma balança medidora sobre o que é válido como mensagem. 

Já que o seriado tem o escopo antológico e está renovada para a segunda temporada, vale olhar para as falhas e ajustar na próxima história que está por vir. Veja o trailer:

*Fernando Martins é jornalista, escritor e grande entusiasta de produções televisivas. Criador do Uma Série de Coisas, escreve semanalmente neste espaço. Acesse o Portal, Podcast e redes sociais do Uma Série de Coisas neste link

*A Folha de Pernambuco não se responsabiliza pelo conteúdo das colunas.

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