'A doença foi um dos melhores presentes que recebi na vida', diz Luciano Szafir sobre covid-19
Ator afirma que sua vida mudou nos mínimos detalhes e conta como a Cannabis está o ajudando a dormir melhor e a ficar menos ansioso
"Eu fiquei 145 dias internado no total. Fisicamente foi bem complicado, fiz três colocações de próteses, tiveram que raspar o meu osso, tive uma infecção hospitalar. Fiquei praticamente dois meses à base de opioides, senti dor de chorar e não conseguia levantar.
Teve um dia que tomei a cartela toda de medicamento, sendo que o ideal eram apenas dois. Tomei tudo de uma vez porque não aliviava a dor e nem me fazia relaxar, o que teoricamente, deveria fazer.
Não satisfeito ainda achei uma caixa de novalgina e coloquei tudo para dentro. No dia seguinte, eu simplesmente não acordava, estava sem conseguir me mexer. Eu podia ter tido uma overdose.
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Eu tenho que ter noção que o homem que eu era antes da pandemia, não está mais aqui. Uma série de coisas que eu fazia antes agora não consigo mais, mas a gente se adapta.
Esquece o passado e segue em frente. As dores você aprende a conviver, seja por conta das próteses nas pernas, dores da fisioterapia, ou até mesmo as dores que são sequelas da Covid e da idade.
Eu tinha muito gás, hoje eu malho um pouquinho e não tenho mais a mesma força. Até mesmo para sair, jantar com minha mulher, depois de duas horas, preciso voltar para a casa.
Não dá mais para passar o dia inteiro fora de casa, visitar um amigo, correr para o shopping, ou fazer outras coisas em conjunto. Eu fico bastante cansado por conta de tudo o que passei.
O psicológico, geralmente abala também. Tenho consulta com uma psicóloga pelo menos uma vez por semana. Mas de vez em quando perco um pouco o rumo. Sinto dor, aí já bate o pânico ou insegurança.
Fiz uma check-up essa semana e pareceu algo estranho ali, precisei esperar alguns dias para fazer a ressonância, mas até chegar este dia, passei o final de semana à base de remédio. Como eu estive muito perto da morte, qualquer coisa que possa vir a ser um problema ou perigo, causa desespero. Mas, graças a Deus, não era nada.
Estou trabalhando bastante a minha ansiedade também. Às vezes eu estou quieto, vendo televisão, por exemplo, e explode uma ansiedade absurda. Já estou com prática quando isso acontece. Se eu sinto que começo a ficar agoniado, vou para fora da casa, tento meditar ou começo a fazer flexão, agachamento, caminhada, para produzir endorfina.
Se já tiver tomado uma proporção muito grande, tomo duas gotinhas de Rivotril e seguro, mas eu tento meditar ou fazer algum esporte. O maior número de flexões que eu aguentar, até o braço tremer ou até chegar à exaustão. Só não deixo crescer.
Um dia após o outro. Hoje pode estar ruim, mas amanhã será diferente. Me dou duas horas para ficar triste, depois vou me cobrar para ficar melhor e seguir com a vida. Não tenho mais aquelas crises severas que eu tinha.
Quando saí do hospital, eu estava na cama e de repente eu não conseguia falar, minha perna tremia, meu coração começava a bater e eu não conseguia pedir ajuda. Era nesse nível. Nessa época, eu estava tomando quase 30 remédios por dia. O meu psicológico estava uma porcaria. Hoje, posso dizer que estou normal. Até porque neste mundo maluco, quem não tem ansiedade é que não é normal.
Criei rotinas que funcionam para mim. Tento dormir cedo, acordar cedo, treinar, planejar meu dia, meus objetivos diários e não pensar para trás.
Não posso mais lutar jiu-jitsu, não sei se vou conseguir surfar de novo, não posso mais correr como eu corria. O que eu posso fazer? Posso nadar, então vamos nadar. Posso andar de bicicleta, fazer musculação e por aí vai. No geral, estou muito grato por tudo.
O que me levou a atingir esses resultados bons fisicamente e psicologicamente foi a gratidão e ter melhorado a minha espiritualidade. Eu sempre acreditei em Deus, sempre fui religioso, mas eu falo com Ele muito mais do que antes. De cinco a dez vezes por dia. Agradeço por acordar, agradeço pelo dia, peço para o dia seguinte ser bom, peço pelos meus filhos, que a entrevista seja legal. De coisas pequenas a grandes. Converso com Ele, como se fosse entre um velho amigo. Isso me ajudou bastante. Por mais que a gente tenha família, tenha amigos, mas quando você está no perrengue, dentro de um hospital, você está sozinho. Pode ter um milhão de pessoas em volta de você, mas o que passa na sua cabeça e o que está dentro do seu coração, só você que sabe.
A gente não pensa em morte. Nós temos planos, coisas que queremos fazer, objetivos para o resto da semana, mas não pensamos que isso tudo pode acabar nos próximos 15 minutos. Quando se passa por uma experiência traumática como a que eu tive, qualquer coisa pequena é boa, é legal e eu agradeço.
Eu fiquei 40 dias sem beber água, pedia pelo amor de Deus para tomar gotas de água. Uma das enfermeiras mergulhava um pedaço de algodão na água e espremia de 3 a 5 gotas de água. Só damos valor para essas coisas que chamamos de pequenas quando precisamos. Elas não são pequenas, elas são gigantescas.
As grandes é que são pequenas: carreira, ganhar dinheiro. Isso é ótimo, não vamos ser hipócritas, mas só de você conseguir andar, conversar, respirar, tomar um banho sozinho, namorar sua esposa. Eu estava de fralda e vinha um enfermeiro limpar a minha bunda. Foram momentos bem difíceis. Você acaba ganhando uma nova perspectiva de vida.
Outra coisa que me ajudou bastante neste período foi a meditação. Como eu não consigo mais fazer Yoga por conta das próteses, não tenho mais uma grande flexibilidade para realizar os exercícios, medito pelo menos umas 5 vezes na semana. Nem que seja 10 minutos. Tento parar tudo no meu dia, esvazio a minha mente de qualquer pensamento e tento me conectar comigo mesmo.
Hoje separo 30 minutos do meu dia para as redes sociais. Curto, comento, vejo as coisas, mas depois desse tempo não vejo e não faço mais nada. Por exemplo, se preciso postar algo, não entra nesses 30 minutos porque é algo profissional, trabalho.
Então posto e vou embora, não vejo os comentários, nada. Nos meus 30 minutos eu procuro algo que goste. Porque ainda tem isso, nós não sabemos o que vamos ver nas redes sociais, pode ser algo que te traga felicidade, como pode ser algo que te traga raiva.
Algo que estou usando e me deu uma melhora absurda, no sono, na ansiedade e no estilo de vida foi a cannabis. Estava usando dois remédios de tarja preta e cortei, mantenho um do lado da cama para o sono, quando estou com muita dificuldade eu apelo para ele, mas é uma outra vida.
Eu comecei a ler sobre canabidiol há dez anos. Quando eu morei na Califórnia já se falavam de maconha medicinal, depois comecei a ver e ler sobre o canabidiol. Estava muito reticente, tomei a primeira vez para dor, antes mesmo de descobrir que eu precisava colocar uma prótese.
Pensei que poderia me deixar doidão, mas não é nada disso. Para dormir, você sente um relaxamento, fica leve. A tarja preta você acorda um pouco lesado no dia seguinte, com a cabeça pesando, mas com o canabidiol, você não sente nada no dia seguinte.
É como se tivesse tomado um chá de camomila, só que mais forte. Para mim, foi uma grande descoberta. Hoje em dia tem mais de 1800 produtos derivados de canabis. Eu conhecia o uso para doenças severas, como Alzheimer e Parkinson, mas não como uma melhora de qualidade de vida.
Hoje em dia, se eu tenho uma noite mal dormida, acordo me sentindo um lixo, não consigo fazer nada. E isso me ajuda muito, tanto para o foco, para ansiedade e no meu caso, o sono. Eu tomo meio miligrama por noite. Ele demora cerca de duas horas para fazer efeito. Tomo depois do jantar, vejo um pouco de televisão, começo a desligar as telas, diminuir as luzes, umas 21h está tudo desligado. Aí eu pego um livro e começo a ler, consigo até umas 22h, depois disso, já estou com o olho pesado, quase fechando. É um sono muito gostoso.
Por incrível que pareça, a doença foi um dos meus melhores presentes da vida. Sentia muita dor, tive pânico, quase morri por três vezes, muita gente ao meu lado sofreu, mas eu passaria tudo de novo para ter aprendido o que eu aprendi.
Eu reaprendi a viver, é o que falta em todo mundo. Antes eu perdia tempo na redes sociais que eu poderia estar com os meus filhos, brincando, lendo, jogando, vendo série.
Chega uma hora que começamos a dar valor a pequenas coisas, que são as mais grandiosas e as mais importantes. Temos que aprender a não nos levar tão sério, a vida precisa ser mais leve. A maneira que você reage aos problemas faz a diferença, eles vão existir, estão aí e todos nós vamos ter. Dar valor ao que tem realmente valor."
*em depoimento a Eduardo F. Filho