Conhecida nos anos 1970, sambista Geovana reaparece em São Paulo e celebra a retomada da carreira
Hoje na capital paulista, cantora carioca mostra três EPs e prepara filme e livro após mais de três décadas longe dos palcos e estúdios
De segunda a sexta-feira, Geovana já está sentada às 7h30m, esperando a professora, na sala da escola em que começou neste semestre a fazer um curso para jovens e adultos, em São Paulo.
Voltar às aulas aos 76 anos traduz o ânimo atual da sambista, que passou mais de três décadas longe de palcos e estúdios.
"Eu me sinto como uma adolescente" vibra ela, que também começou a malhar numa academia. "Estou fazendo tudo o que me pertence"
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A empolgação começou na década passada, com a retomada gradual da carreira. Em 2020, lançou o álbum “Brilha sol”, graças a uma campanha de financiamento coletivo promovida por seus produtores (“meus anjos da guarda”) Camilo Árabe e Guilherme Lacerda, integrantes do coletivo Sindicato do Samba.
Neste ano, após serem aprovados no edital Funarte Retomada, três EPs estão sendo lançados.
Um entrou nas plataformas em outubro: “Bons tempos”. Ontem, Dia da Consciência Negra, entrou outro: “Diamante”. E em 13 de dezembro será a vez de “Jaboticaba”. Todas as composições são dela, sozinha ou com parceiros.
"Nunca duvidei da minha capacidade de voltar. Sempre achei que ia dar" garante ela, afirmando ter sido prejudicada por produtores e artistas. "Uns filhos da fruta me roubaram. Mas não quero saber mais disso. O passado é pesado"
Ainda vêm por aí, em 2025, outro álbum, um filme sobre ela — com direção de Camilo e direção musical de Guilherme — e um livro autobiográfico assinado por ela e Camilo.
Geovana nasceu Maria Teresa Gomes no Rio, na Tijuca, morando depois na Rocinha, na Gávea e em outras partes.
Quando trabalhava como doméstica em Copacabana viu um nome parecido numa loja de roupas e criou o pseudônimo pelo qual ficou conhecida.
Apresentando-se num festival em São Paulo, em 1969, destacou-se com “Pisa nesse chão com força”, o que lhe valeu o rótulo de “deusa negra do samba-rock”.
"Não sou deusa e, do rock, muito menos" ressalta ela, com a voz grave e a gargalhada características. "Fui aceitando. Se gostam de me chamar desse jeito, vou ligar? Nada contra, mas me deixa sem graça"
Mudou-se para São Paulo no início deste século. Viu na cidade mais possibilidades para arrumar trabalho e ajudar seus três filhos.
"Em São Paulo ganhei amigos, confiança, dinheiro. Se Camilo e Guilherme estivessem no Rio, eu também estaria" explica.
Mas nem sempre foi assim. Quando os convites minguaram, foi trabalhar na reciclagem e como segurança particular.
"Nunca fui ao fundo do poço porque eu sempre trabalhei" orgulha-se.
Gravada por Clara Nunes
Ainda no Rio, foi gravada por Clara Nunes (“Rosa 25”) e Martinho da Vila (“Diamante”). Em 1985, o Fundo de Quintal gravou uma parceria com Beto Sem Braço que até hoje é sua principal fonte de direitos autorais: “Ô Irene”, do refrão “Ô Irene/ Vai buscar o querosene pra acender o fogareiro”.
"“Irene” viajou pelo mundo. Não tem roda de samba que não toque. Se não convidarem, ela mesma se convida" brinca.
Seu disco de 1975, “Quem tem carinho me leva”, é cultuado no mundo do samba e deverá ganhar uma reedição em vinil.
Ele marcou a vida de MV Bill, que divide com Geovana a composição e a interpretação de “Não ando só”, faixa do EP lançado ontem.
"Nosso lar era muito musical, tinha trilha sonora para tudo. Quando meus pais faziam amor, na manhã seguinte meu pai botava para tocar “Quem tem carinho me leva”" recorda o rapper, que conheceria Geovana muito tempo depois.
"Contei essa história no “Programa do Jô”. Num dia, atrás da Central do Brasil, ouço aquela voz grave: “MB Vill!” Era ela. Ainda me chama assim"
Geovana se define como “sambista, excelente cozinheira, grande amiga, salgueirense e vascaína”.
Preparava uma sopa enquanto dava entrevista para o GLOBO e diz fazer coisas de “rebolar o queixo”: feijoada, cozido, vatapá, bacalhoada. Está morando no Centro de São Paulo, perto da Avenida São João.
"Minha vida está no eixo. Não quero ficar rica, mas sobreviver numa boa. A panela estava de bruços, agora está com a barriga pra cima" celebra ela, dando outra gargalhada.