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Resenha e entrevista

"Afeto Radical": a intimidade exposta de Flaira Ferro em novo álbum; ouça

Terceiro álbum da cantora, compositora e dançarina recifense Flaira Ferro acaba de sair do forno, disponibilizado nas plataformas digitais, nesta sexta-feira (28)

Flaira Ferro lançou seu terceiro álbum, "Afeto Radical", nesta sexta-feira (28)Flaira Ferro lançou seu terceiro álbum, "Afeto Radical", nesta sexta-feira (28) - Foto: Matheus Melo/Divulgação

Lançar um disco quase sempre é uma gestação para qualquer artista. E quando esse lançamento é atravessado por uma maternidade, ganha um significado ainda maior. 

O terceiro álbum solo da cantora, compositora e dançarina recifense Flaira Ferro, “Afeto Radical”, acaba de sair do forno, recém nascido como seu primeiro filho, disponibilizado nas plataformas digitais, nesta sexta-feira (28).  O show de ançamento será Teatro do Parque, no dia 10 de abril. Os ingressos já estão disponíveis no Sympla, a partir de R$ 30s.

“É o primeiro trabalho que lanço depois de ter me tornado mãe. Todas as gravações de voz, elas eram pausadas, eram conciliadas com momentos de amamentação. Tinha uma coisa de estar ali vivendo a vida criativa, a vida íntima e pessoal totalmente conectada à vida profissional”, lembra Flaira. 

“Diferente de outros momentos da minha vida onde eu conseguia diferenciar o que é que era o ambiente da minha casa, para o ambiente da rua, para o ambiente do trabalho, a criação desse disco foi toda permeada por essa intimidade exposta e ao mesmo tempo. Fundamental para sustentar o sentido dessa pesquisa, desse afeto radical”, compartilha a artista.

Sobre o álbum
Gravado entre Recife e São Paulo, “Afeto Radical” tem produção musical de Guilherme Kastrup e conta com 11 faixas inéditas, que experimentam conversar ritmos populares nordestinos com rock, pop e música eletrônica.

Entre as participações, nomes consagrados da música brasileira, a exemplo de Lenine, na faixa-título “Afeto Radical”, Elba Ramalho (em “Os Ânimos”) e a violeira Laís de Assis, que empresta seu talento na canção “Sabe”, que também recebeu arranjos de cordas de Dora Morelenbaum (Bala Desejo). 

A cantora e instrumentista Vanessa Moreno, jovem revelação da música brasileira, contribui com backing vocals na faixa “Irrelevar”. 



O álbum reúne parcerias de composição com artistas de Pernambuco e da Paraíba, incluindo Juliano Holanda (Goiana), Isabelly Moreira (São José do Egito), PC Silva (Serra Talhada), Isabela Moraes (Caruaru) e Lucas Dan (Santa Rita-PB).

Confira, abaixo, a entrevista exclusiva com a artista.

Como se deu a escolha de Guilherme Kastrup para produzir o álbum e como foi trabalhar com ele no estúdio?

Eu sou muito, muito fã do trabalho de Guilherme Kastrup como músico, como produtor musical e já conheço a pesquisa dele há muitos anos. Quando eu morava em São Paulo, ali no período de 2012 e 2016, trabalhei no Instituto Brincante com Antônio Nóbrega e acompanhava os vídeos dele e os experimentos dele com o frevo.

Tem um vídeo no YouTube chamado “Frevanano”, foi meu primeiro contato assim com as experimentações dele e eu fiquei muito intrigada e interessada na pesquisa dele porque ele misturava sintetizadores com bits eletrônicos e frevo e não era uma pessoa nascida em Recife. Então, tinha um olhar deslocado até dessa relação visceral que a gente, que nasce aqui no berço da cultura popular, tem. 

Esse olhar deslocado e ao mesmo tempo experimental, que me interessava muito esse hibridismo na estética de Kastrup, nos discos dele e os trabalhos dele como produtor.

Então, quando eu estava amadurecendo quem faria a produção desse terceiro álbum solo  - o quarto da minha carreira, porque antes desse, teve o terceiro álbum solo que eu lancei em 2023 com Clara Coelho - fiquei pensando nisso, que eu queria alguém que tivesse essa facilidade em transitar pelos universos da cultura popular, das culturas de rua e também essa relação com influências sonoras da música do rock, do pop, da música experimental, da música contemporânea. 

E achei que a gente já tinha uma certa afinidade, ele me seguia no Instagram, tinha mandado já mensagem pra mim e eu também já curtia muito o trabalho dele, então quando eu fiz o convite ele topou na hora e a gente avançou.

Você deu bastante ênfase entre os convidados de artistas mulheres de destaque na MPB.  Elba Ramalho, Laís de Assis e Dora Morelenbaum, Vanessa Moreno... Enaltecer a arte das mulheres segue sendo uma marca do teu trabalho? Podes falar um pouco sobre essas e outras participações?

O Brasil tem muitos artistas incríveis, tem muitas compositoras, cantoras que me influenciam diretamente, que me influenciaram, então quando eu pensei em convidar a Elba Ramalho para cantar, ela é uma referência direta para mim de influência e de obra, de vida, uma mulher com uma obra vasta e fundamental para a construção do que a gente entende hoje que seja música brasileira, e todas as participações que estão nesse disco, elas primeiro vinham de um lugar de muita afinidade sonora e de caminhos e escolhas artísticas nas carreiras.

Então quando eu pensei em Elba, já falei aqui o motivo. Quando eu pensei em Laís de Assis, é uma grande amiga, musicista que eu já acompanho há alguns anos. Fizemos alguns projetos juntas, inclusive shows meus em formato só voz e violão e viola com ela. E ela como a primeira mulher formada em viola nordestina no Brasil. Então Dora Morelenbaum também, que para além do trabalho dela como cantora e compositora, ela é uma grande musicista, arranjadora.

Vanessa Moreno, que é uma grande instrumentista, percussionista, cantora, compositora. Então eu acho que a gente tem uma quantidade muito grande de artistas que estão fortalecendo essa compreensão de que essa desigualdade de gênero na música e em vários setores da sociedade que a gente vive, ela não tem mais sentido algum. 

Quando eu penso em chamar artistas e mulheres, mais do que querer fazer disso uma marca. Do meu trabalho, eu sinto que isso é uma urgência, é uma necessidade do nosso tempo assumir a narrativa e o protagonismo das nossas canções, dos nossos projetos, aliado a artistas que estejam também com esse mesmo desejo de ter acesso, de ter reconhecimento, de ter direitos iguais, de ter oportunidades. 

Então, uma vez que eu fui despertando para todas essas questões da desigualdade de gênero na minha profissão e também em todas as áreas da nossa vida, nessa sociedade em que a gente está, fica inevitável não inclinar o meu olhar, o meu interesse e o meu desejo para o que as mulheres estão produzindo, o que elas estão criando, porque é o nosso campo de reivindicação, o nosso campo de transformação política. 

Física e social, e se na música a gente puder fazer encontros que fortaleçam e enalteçam e evidenciem o talento de outras mulheres, eu acho que todo todo cancioneiro ganha com isso, sabe?

Capa do álbum "Afeto Radical"

Sobre o nome do álbum, podes comentar um pouco como surgiu esse conceito?

Afeto Radical é o nome do disco e também o nome de uma das faixas que estão no disco que a gente lançou agora em fevereiro, com a participação de Lenine. Esse termo, a primeira vez que eu o ouvi, foi através de um vídeo de uma educadora parental daqui de Recife chamada Lua Barros, ela é mãe de quatro filhos e eu no meu processo de me tornar mãe, que foi quando eu comecei a trabalhar no disco, na criação do disco. 

Eu estava lendo bastante coisa sobre maternidade, acompanhando e seguindo o perfil de muitas mulheres que tinham esse assunto em pauta. E ela trazia essa fala de formas de educar uma criança, onde ao invés de a gente ir pelos caminhos da violência, da opressão, a gente pudesse usar o afeto de forma radical. E esse termo, na hora, me chamou muita atenção. Porque eu entendi que o afeto é uma inteligência de comunicação fundamental para o desenvolvimento e para a saúde do ser humano. 

Nós somos mamíferos, nós viemos dessa necessidade de vínculo, de estarmos em grupo, somos um animal social. Então, nesse sentido, quando pensei no nome do disco, eu pensava nessa força motriz que tem também na palavra radical, não só a ideia do extremo, mas também na etimologia em latim, que vai trazer radical associado à palavra raiz, ao afeto de origem, a gente ter esse retorno à essência.

Pensei muito nisso como uma postura, uma convocatória. Então, uma forma de existir que pudesse ter o afeto como uma atitude, não só como um lugar de contemplação da beleza, mas da atitude. E o radical era esse complemento, o afeto em origem, em ação. E acho que foi um pouco disso que me moveu a colocar isso como nome desse disco. Mas assim, uma vez que a gente lança, o mais legal é ver como que isso chega para as pessoas, independente do que eu pensei originalmente.

Como tua música amadureceu ao longo da carreira e o que você enxerga nesse novo álbum que dialoga com sua fase criativa atual, com tuas ideias de arte e de posicionamento político, artístico e estético? Essa direção artística que o terceiro álbum tomou reflete tua cabeça de hoje?

Todos os discos que eu lancei de certa forma era um reflexo do momento, do que eu estava vivendo, das coisas que estavam me atravessando, das questões que estavam me desafiando e me encantando ou me motivando. Então, com esse disco não é diferente, né?

Sinto que tem uma uma poesia que está vinculada para as coisas que o meu olhar tem se direcionado. Então, tem canções que vão questionar ali a aceleração da vida, canções que vão questionar a indústria alimentícia, canção que vem falar sobre a maternidade, outras que falam sobre a saúde emocional, sobre o desejo de de sonhar, enfim, eu deixo também aí um pouco pouco para o público ir interpretando essas canções, mas sem dúvida são reflexo do que eu venho me tornando diariamente enquanto ser humano.

E nessa questão sonora, sempre me identifiquei com a mistura, com a diversidade e com o hibridismo como linguagem. Seja no palco, onde gosto muito de misturar a música com a dança ou com o teatro. Isso reflete esse desejo de saborear a música por diferentes ritmos. Eu gosto dessa ideia de de uma música que não é limitada a um território. Mas que ela possa se tornar uma experiência sensorial onde, independente do lugar de origem daquele ritmo, ele possa ser assimilado por pessoas que estejam em lugares que não tenham nada a ver com aquele ritmo de origem. 

Essa pesquisa que faço, a exemplo de Ave Sangria, Alceu Valença, Catia de França, o próprio movimento Mangue, Lenine, Elba, tem muitos artistas que vinham nas suas obras fazendo essas essas experimentações e eu acho que isso tem muito a ver assim com aquilo que me atrai e eu sinto que há um processo de amadurecimento sim.

Desde o primeiro disco para agora, sempre em todos os discos de alguma forma tive uma relação de gostar da mistura de instrumentos orgânicos com eletrônicos, mas nesse “Afeto Radical”, sinto que ele tem isso um pouco mais claro, na formação mesmo, na construção dos arranjos.

A gente construiu os arranjos em uma semana de imersão aqui em Recife, com os músicos Henrique Albino, que fez o arranjo de várias canções com Lucas Dan, Miguel Mendes e Kastrup. Então, essa imersão que a gente fez ali, ela trouxe talvez uma espinha dorsal para esse disco com a unidade maior, sabe?

Do que nos outros discos, talvez, é, assim, fica mais evidente essa relação de uma música com a outra a partir da instrumentação que a gente foi definindo e dessa inversão, desse mergulho, de uma semana para montar esses arranjos. Eu acho que é um pouco por aí.


REPERTÓRIO

1. AFETO RADICAL - Flaira Ferro & Lenine 
(Composição: Flaira Ferro e Lucas Dan)

2. A ALMA 
(Composição: Isabela Moraes e Roseana Murray) 

3. IRRELEVAR 
(Composição: Flaira Ferro, PC Silva e Isabela Moraes)

4. SABE, part. Laís de Assis 
(Composição: Flaira Ferro)

5. OS ÂNIMOS - Flaira Ferro & Elba Ramalho 
(Composição: Flaira Ferro e Isabelly Moreira) 

6. BALEIA 
(Composição: Flaira Ferro e Lucas Dan) 

7. DANÇA DA ESTRELA 
(Composição: Flaira Ferro)

8. REFEIÇÃO 
(Composição: Flaira Ferro)

9. LACRE 
(Composição: Flaira Ferro e Juliano Holanda) 

10. GRÃO DE DENTRO 
(Composição: Flaira Ferro e Juliano Holanda) 

11. AMIGO, AMIGO
(Composição: Flaira Ferro)

FICHA TÉCNICA
Produção musical: Guilherme Kastrup (exceto na faixa “A Alma”, produzida por Henrique Albino) 
Direção e Arranjos: Henrique Albino (exceto nas faixas “Irrelevar”, arranjos de Miguel Mendes e “Sabe,” arranjos de Dora Morelenbaum
Mixagem: Caio Alarcon e Guilherme Kastrup - estúdio Ponta Lab - SP
Masterização: Ricardo Prado - estúdio Canto da Coruja - Piracaia - SP

Músicos: 
Flaira Ferro: Vozes [todas as faixas] 
Lenine: Vozes [faixa 1]
Elba Ramalho: Vozes [faixa 5]
Agda, Isabela Moraes: Coro [faixa 10] 
Agda, Bibi Ferro, Flaira Ferro, Halline Siqueira, Isabela Moraes e Lorena Siqueira: Coro [faixa 7]
Vanessa Moreno: Backing vocal [faixa 3] 
Henrique Albino: Teclados, Saxofones e Guitarras [faixa 1] - Piano [faixa 2] - Guitarras [faixa 5] - Baixo synth, Piano, Teclados, Flautas, Saxofones e Percussões [faixa 7] - Flautas, Saxofones, Teclados e Percussões [faixa 9] - Flautas, Saxofones e Percussões [faixa 10] - Piano [faixa 11] e Voz coral [faixa 10] 
Lucas Dan: Synths [faixas 1, 4, 7, 8, 9, 11] - Orgão e Synths [faixa 3] - Rhodes, Synths e Acordeon [faixa 5] - Synths, Programação e Acordeon [faixa 6] - Rhodes [faixa 7] - Arpegiadores [faixa 8] - Synths e Acordeon [faixa 10] 
Miguel Mendes: Baixos e Violão de 12 cordas [faixa 1] - Violão e Synth Bass [faixas 2, 11] - Baixo e Piano elétrico [faixa 3] - Baixo elétrico e Synth Bass [faixas 4, 10] - Baixo [faixa 5] - Baixo Synth [faixa 6] - Baixo e Guitarra [faixa 7] - Baixo elétrico, Synth Arp e Guitarra [faixa 8] - Baixo Elétrico, Synth Bass e Synths Efeitos [faixa 9] 
Guilherme Kastrup: Bateria [faixas 1, 7, 9, 10] - Percussões [faixas 2, 11] - Bateria e Percussões [faixas 3, 4, 5, 6, 8] - Teclado [faixa 8] 
Laís de Assis: Viola Caipira [faixa 4]
Aramis Rocha: Violino [faixa 4]
Robson Rocha: Violino [faixa 4] 
Daniel Pires: Viola [faixa 4]
Deni Rocha: Cello [faixa 4]
Fabinho Costa: Trompete [faixas 1, 7, 9, 10]
Nilsinho Amarante: Trombone [faixas 1, 7, 9,10]
Base e coro gravados por: Marco Melo - estúdio Carranca - Recife - PE
Sopros gravados por: Henrique Albino - estúdio Música Tronxa - Recife - PE
Cordas gravadas por: Aramis - estúdio AR Strings - Paulínia - SP
Vozes gravada por: Guilherme Kastrup - estúdio Toca do Tatu - SP
Voz de Lenine gravada por: Bruno Giorgi - estúdio O quarto - RJ
Produção Geral: Sibely Marques 
Comunicação visual: Matheus Melo (Arte, capa e fotografia)
Styling/Figurino: Juliana Beltrão 
Makeup/Beleza: Halline Siqueira 
Hair/Cabelo: Well Leite
Manager: Philsen Smiley 
Distribuidora & Editora: Tropical Gold Entertainment
Assessoria de Imprensa - Pantim Comunicação

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