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Alice Braga conta história de perseguição a indígenas na ditadura em estreia de audiolivro

''Yawara: uma história oculta do Brasil'' resgata relatório que justificou criação da Funai

Audiolivro narrado por Alice Braga estreia nesta terça (1°), na plataforma AudibleAudiolivro narrado por Alice Braga estreia nesta terça (1°), na plataforma Audible - Foto: Reprodução/Instagram

A atriz Alice Braga ouviu falar pela primeira vez do Relatório Figueiredo durante um jantar em família, em 2018. O documento de mais de 7 mil páginas, produzido pela ditadura militar, compilou uma infinidade de crimes cometidos contra os indígenas entre 1966 e 1967, como usurpação de terras, estupros, torturas e assassinatos.

O pior: parte dessas atrocidades haviam sido praticadas por pessoas ligadas, direta ou indiretamente, ao antigo Serviço de Proteção ao Índio (SPI), cuja missão era zelar pelo bem-estar dos povos originários.

O Relatório Figueiredo (que recebeu o nome do procurador responsável pelas investigações, Jader de Figueiredo Correia) passou décadas desaparecido e só foi reencontrado em 2012, pelo pesquisador Marcelo Zelic (1963-2023), numa caixa no Museu do Índio, no Rio.

“Essa caixa mudou a forma como eu enxergo o Brasil”, diz Alice no começo da série “Yawara: uma história oculta do Brasil”, que estreia nesta terça-feira (1º) na Audible, plataforma de áudio da Amazon, que opera no Brasil desde outubro passado e conta com um catálogo de mais de 700 mil audiolivros (6 mil deles em português).

O primeiro episódio de “Yawara” (que significa onça em tupinambá) revela que o Relatório Figueiredo incluiu, na lista de crimes, a chacina dos Cinta Larga, matança de cerca de 3,5 mil indígenas no Mato Grosso, em 1963.

As investigações, no entanto, limitavam-se ao biênio 1966-1967. Se a situação já era dramática, por que a ditadura carregou ainda mais nas tintas? Para justificar a extinção do SPI e a criação da Funai (Fundação Nacional do Índio), que, naqueles anos, colaborou com o Programa de Integração Nacional, incentivando a exploração do interior do país (inclusive de terras indígenas) em nome do desenvolvimento econômico.

Nessa época, foi criada a Guarda Policial Indígena, formada por indígenas e responsável por vigiar, prender e torturar outros indígenas.

— Nós conhecemos as atrocidades cometidas pela ditadura, os assassinatos e os desaparecimentos, mas quase nunca olhamos para o que aconteceu com os indígenas. O que aconteceu com eles naquela época continua acontecendo hoje, é só ler os jornais. E ainda é em nome do “progresso”. Que progresso é esse que resulta em genocídio e destruição da natureza e do nosso futuro? — questiona Alice, que toca a série juntamente com a artista e ativista indígena Daiara Tukano.

Conteúdo nacional

Além de “Yawara”, também estreiam nesta terça outros “Audible Originals”, séries produzidas para fidelizar o público brasileiro, como “Nem só de pão”, na qual a chef de cozinha Paola Carosella repassa sua trajetória, “Por que mudei?!”, capitaneada por Lázaro Ramos e que traz histórias reais, e “Ninguém com esse nome”, ficção protagonizada por Cláudia Abreu e Eduardo Moscovis, que interpretam os pais de um jovem transexual. Mais conteúdo original deve chegar à plataforma nos próximos meses, como o documentário “O Maníaco do Parque”, com o ator Silvero Pereira (o Lunga de “Bacurau”).

Por meio do Pitching Project, cujo regulamento será divulgado em breve, a Audible receberá propostas de novas audiosséries. Os interessados já podem assistir a episódios da oficina “Criando um Audible Original” disponíveis no serviço streaming. Diretora-geral da Audible Brasil, Adriana Alcântara tem dicas para quem pretende se inscrever:

— O primeiro passo é pensar em como o áudio agrega valor à história. Por que essa história deve ser contada em áudio e não em um documentário ou um livro?

Fã de podcasts que recontam a história do Brasil (como o “Projeto Querino”, da Rádio Novelo), Alice enfrentou essas questões quando concebeu “Yawara”.

— Um documentário é mais difícil de financiar e atinge um número limitado de pessoas. O áudio é mais democrático, todo mundo tem acesso no celular, pode ouvir no ônibus, no carro, entre um compromisso e outro — explica. — Sem a influência da imagem, é como se a minha voz se conectasse diretamente ao coração do ouvinte e se estivéssemos juntos numa mesa de jantar questionando o que vivemos ainda hoje no Brasil.

“Yawara” conta que a divulgação do Relatório Figueiredo teve ampla repercussão na imprensa (foi tema de uma reportagem do New York Times em março de 1968) e chamou atenção internacional para a situação dos indígenas no Brasil. No entanto, o movimento em favor dos povos originários foi asfixiado com a escalada da repressão a partir do AI-5, decretado em dezembro de 1968.

Alice lamenta que as ameaças aos indígenas hoje não difiram tanto daquelas listadas pelo Relatório Figueiredo.

— A história se repete. A pressão da bancada ruralista pela adoção do marco temporal mostra que o dinheiro e o lucro continuam acima da vida dos povos originários.

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