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CINEMA

Almodóvar em Veneza arranca aplausos tímidos para seu 'Madres Paralelas'

'Madres Paralelas''Madres Paralelas' - Foto: Divulgação

Foi com um cinema dividido entre as lágrimas e o viés político que o Festival de Veneza inaugurou sua 78ª edição, na manhã desta quarta (1º).

Pedro Almodóvar apresentou o longa "Madres Paralelas", obra de forte inclinação melodramática, mas que se propõe igualmente a revisitar uma ferida ainda hoje não calejada em seu país: a Guerra Civil Espanhola.

E, já no primeiro dia, o Lido vê uma real candidata ao prêmio de melhor atriz: Penélope Cruz, em uma poderosa performance, que marca sua oitava colaboração com o diretor. Ela interpreta Janis, uma mulher que enfrenta a burocracia da Espanha para abrir a fossa comum onde estão os restos mortais de seu bisavô, assassinado por franquistas durante o conflito.

Após uma aventura amorosa, ela engravida e tem uma filha, que nasce na mesma hora da bebê da adolescente Ana -vivida por Milena Smit. Mesmo tendo histórias de vida muito distintas, as colegas de maternidade logo desenvolverão uma intensa ligação emocional.

A partir daí, o filme se desenrolará recorrendo a uma série de mecanismos muito próprios do gênero melodrama: relações conturbadas entre mães e filhas, suspeitas envolvendo identidade paterna -e materna- de bebês, mortes inesperadas. Nesse aspecto, é um "Almodóvar raiz", embora por vezes traga situações talvez "over" demais mesmo para os padrões almodovarianos.

Alguns espectadores vão erroneamente tomar o longa por uma variação fílmica de alguma telenovela barata, até meio tola. Mas Almodóvar não é um cineasta qualquer: a confecção do longa e a construção do fluxo narrativo são de uma enorme precisão, e embora se possa prever em detalhes cada reviravolta da trama, elas sempre são capazes de contundir, de fazer o espectador responder afetivamente ao que está vendo.

Porque, afinal, o que se está vendo é um grande artista fazendo o que mais sabe -e mais gosta de fazer. E em alguns aspectos, "Madres Paralelas" figura entre o que de melhor Almodóvar já criou: o tema da maternidade é explorado com admirável completude -não há ali apenas o retrato de uma mãe-coragem, capaz de tudo para defender a cria, como em melodramas mais tradicionais.

"Tenho andado mais interessado nas mães imperfeitas", disse o diretor na coletiva de imprensa, e isso é perceptível em diversos elementos sobre a maternidade que o filme abarca. Como o das mulheres que se tornam mães a contragosto, ou as que não abrem mão da própria liberdade para criar os filhos.

O filme não culpa nenhuma dessas mães, sobretudo porque entende que têm comportamentos e ambivalências muito específicos do que é ser mulher no mundo contemporâneo; as grandes mães heroicas, que renunciam à própria individualidade em nome da prole, são parte de uma realidade que não existe mais.

Existe de fato uma dimensão política em "Madres Paralelas", sobretudo nessa observação sobre a mulher no mundo de hoje e na configuração das chamadas "novas famílias".

No entanto, o cineasta é menos bem-sucedido quando fala das questões relativas à Guerra Civil Espanhola. O filme nunca encontra uma fórmula satisfatória para amalgamar a questão da maternidade com esse tema político de fundo, que parece estar sempre sobrando, como se fizesse parte de um outro material.

À imprensa, Almodóvar explicou que a o cinema espanhol ainda está devendo obras que se dediquem a falar de temas ligados à Guerra Civil do país. "É um assunto ainda pendente na sociedade, temos uma enorme dívida moral com as famílias dos desaparecidos", disse o cineasta.

"Hoje, são os netos e bisnetos que pedem a exumação [dos parentes desaparecidos na Guerra], gente que já nasceu na democracia. As pessoas de gerações anteriores tinham um medo quase patológico –nas casas, como na minha, nunca se falava nada sobre a Guerra."
Ele tem razão quanto à Espanha ainda precisar dar atenção a temas espinhosos do passado. Mas, a julgar pelo que mostrou hoje no Lido, não parece que será ele quem vai conseguir fazer um filme a contento sobre o assunto.

O longa foi moderadamente aplaudido, em um Festival de Veneza de edição esvaziada, marcada por restrições sanitárias devido à pandemia. Só podem entrar nas salas de exibição quem tem um passe sanitário comprovando ter duas doses de alguma vacina aceita pela União Europeia, ou quem faz a cada dois dias um teste resultando negativo para a presença de coronavírus. Embora nos locais a céu aberto as máscaras estejam dispensadas, nas salas e coletivas de imprensa, são obrigatórias.

Mas não há clima de pânico ou paranoia. Embora a pandemia ainda esteja longe de ser um problema resolvido, o que se nota pelo Lido é uma atmosfera de quem não vê a hora de testemunhar o cinema renascer, após mais de um ano agonizando em todo o mundo.


Na coletiva de imprensa do júri, o presidente Bong Joon-ho -diretor sul-coreano de "Parasita"- deu o tom sobre o otimismo no ar em Veneza: "A Covid vai passar, e o cinema vai continuar".

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