tributo

Trechos de diário da Amy Winehouse adolescente viram livro em seu aniversário de 40 anos

Autora diz que artista acreditou "num mito de autenticidade, que estava ligado ao abuso de substâncias"

Amy Winehouse durante performance no British Awards, em Londres, 2007Amy Winehouse durante performance no British Awards, em Londres, 2007 - Foto: Dave Hogan/Getty Images

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Morta aos 27 anos e tendo gravado apenas dois álbuns na sua curta e extraordinária trajetória musical, Amy Winehouse escancarou o que sentia em suas composições, às vezes com desespero, outras com humor, sempre com franqueza. Neste 14 de setembro, a cantora britânica faria 40 anos se não tivesse morrido acidentalmente na noite de 23 de julho de 2011 de intoxicação por álcool. A data está sendo lembrada com homenagens que revisitam sua obra e discutem seu legado. A tragédia de Amy, considerada por muitos como a voz mais sublime do século XXI, continua nítida, mas seu canto é ainda mais presente, ouvido por diferentes gerações. Em Camden, bairro no norte de Londres onde ela morou, cantou e morreu, gente do mundo todo refaz seus caminhos, percorrendo pontos que têm sua marca.

Seu rosto está nas paredes grafitadas e nas camisetas baratas. Ela viveu em três endereços diferentes da região e chegou a trabalhar como vendedora no mercado que hoje é atração turística, o sempre lotado Camden Market. Há fila para tirar foto com a estátua de Amy, uma imagem de bronze com o penteado bolo de noiva e o vestido curto de pin-up. Na esquina, o pub que ela mais frequentava, às vezes pulando o balcão para servir cerveja, preserva um mural onde se vê uma Amy gigante, com os olhos delineados. O Hawley Arms, que no início do século era um dos templos indie de Londres, se recusa a servir a bebida que ela tomava, uma mistura pesada de destilados. Em frente à casa onde morreu, lembranças deixadas pelos fãs foram amarradas numa árvore, formando um altar permanente de flores, fitinhas, cadeados e bilhetes.

"Ela foi a primeira pop star que conhecemos. Nossa mãe ouvia muito. Ela era diferente das outras. Não tinha um estilo glam, tinha uma honestidade que se percebe na sua voz" diz Anna, a mais velha de três jovens irmãs irlandesas que tiravam fotos com a estátua de bronze.

"Aquela do ‘no, no, no"
Para as irmãs, a música de Amy importa muito mais do que seu fim prematuro. Um casal de turistas espanhóis, também na fila, diz concordar. Qual a música que mais ouvem?

— Aquela do “no, no, no” — respondem, referindo-se a “Rehab”.

Para celebrar a artista que embaralhou jazz, soul, R&B e rock, seus pais, administradores do espólio, liberaram fotos e textos inéditos da filha, incluindo trechos de seus diários de adolescente, boletins da escola, bilhetes, desenhos de criança, poemas, letras de músicas incompletas. Reunidos no recém-lançado “Amy Winehouse: in her words” (“Amy, em suas próprias palavras”, em tradução livre), com prefácio assinado por Mitch e Janis Winehouse, os fragmentos retratam fases distantes da decadência provocada por consumo de drogas, depressão e bulimia. Mas a transparência e a ironia das canções que a imortalizaram já estavam ali. Amy também sofreu por amor, como costumam sofrer todos os adolescentes; irritou professores por não ter interesse nas aulas; e usou o diário para desabafar sobre sua incapacidade de controlar a própria agressividade e o fato de ser “diferente”. “Eu era a maluca da sala”, escreveu.

Documentava o mundo à sua volta — as pessoas, as músicas e as modas — com uma letra redondinha, riscando e substituindo palavras, com perfeccionismo, senso de humor e desenhos de coração. Gostava de caneta e papel: “Jazz é como uma cama confortável, um parente, um velho amigo”, anotou. O livro revela também que desde menina ela adorava uma lista. Enumerou suas ambições, como “ser fotografada por David LaChappelle” (ela foi); “ter uma coleção de mais de 300 sapatos”; “conhecer Liz Taylor e Paul Newman”; “ser amiga de Sarah Jessica Parker” e “fazer com que as pessoas me admirem”. Embora os pais ressaltem que não querem encobrir a verdade (“Sim, ela era uma adicta. E, sim, sua vida foi caótica”), a edição celebra a evolução criativa de uma figura mais solar do que a mulher cuja autodestruição alimentou a imprensa sensacionalista de seu país. A renda será revertida para a Fundação Amy Winehouse, criada para ajudar jovens com dependência química, mas a iniciativa da família não recebeu apenas aplausos.

Nas redes, muitos fãs se manifestaram contra a publicação por considerarem exploração e invasão — mais uma — da privacidade da artista. No tristíssimo documentário “Amy”, premiado com um Oscar em 2016, o diretor Asif Kapadia mostra como depois do lendário “Back to black” (2006) e do divórcio de Blake Fielder-Civil, ela caminhou rumo ao abismo sem ninguém, muito menos o pai-empresário, para proteger sua saúde física e mental. A família não gostou e deu sua versão num outro documentário, “Reclaiming Amy”, produzido pela BBC. No ano que vem, o público verá Amy sendo interpretada por Marisa Abela (da série “Industry”) sob direção de Sam Taylor-Johnson (“Cinquenta tons de cinza”). Não se sabe ainda qual será o enfoque, mas dificilmente um declínio como o da jovem diva pop, implacavelmente registrado pelos paparazzi e tantas vezes abordado como se fosse diversão, ficaria muito tempo longe de Hollywood.

Autora do livro “Toxic: women, fame and the noughties” (Em tradução livre: “Tóxico: mulheres, fama e os anos 2000”), com lançamento marcado para outubro, a jornalista Sarah Ditum analisou a vida de nove mulheres cujo status de celebridade teve um preço desumano na primeira década do século. Entre elas Paris Hilton, Britney Spears, Janet Jackson — e Amy. Foi o início de uma “cultura da intrusão”, como argumenta a autora, que incluía paparazzi invasivos, intensa cobertura de tabloides e blogs agressivos.

"Houve um escrutínio extremo dos corpos das mulheres, o que provavelmente afetou Amy, que sofria de bulimia. Havia muito pouca noção de que as celebridades, especialmente as mulheres, tivessem direito à privacidade" explica Sarah, para quem Amy, por ser muito aberta, acabou excessivamente exposta, forçada a ser uma “personagem da mídia”.

Artista, não ícone trágico
A escritora diz que, dentre as mulheres que ela analisou, a história que mais a entristeceu foi a de Amy, por seu talento e sua fragilidade, mas também por ela ter acreditado “num mito de autenticidade” que, no seu caso, estava ligado ao abuso de substâncias.

"Mas também foi uma revelação voltar à música de Amy e poder apreciá-la como artista, e não como um ícone trágico" afirma Sarah.

Suas composições continuam um sucesso comercial. Até 2021, “Back to black” figurava na lista dos 40 álbuns mais ouvidos do Reino Unido. Sua banda original vai fazer um show em dezembro, no teatro Koko, em Camden. Eles vêm rodando a Europa desde o ano passado, com Bronte Shandé nos vocais. Nesta quinta-feira, o Camden Market vai vender cravos cor-de-rosa para homenagear a “rainha”, como ela é chamada no bairro. A renda vai para a fundação criada pela família Winehouse.

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