Ana Maria Freire, viúva de Paulo Freire: "Homenagear Paulo é seguir com o ato de 'esperançar'"
Educador pernambucano, se vivo estivesse, completaria neste domingo (19), cem anos
“Há fotos dele em toda a casa. Em meu quarto olhando para ele nos porta-retratos declaro o meu amor”. Ana Maria Freire, 87, gosta de ser chamada de “Nita”. A viúva do educador recifense Paulo Freire segue apaixonada pelo homem que confessa ser o que mais admirou e amou, com desembaraço.
“Nos amamos muito, um ao outro”, reforçou em tom que remete ao entusiasmo que outrora lhe tomou quando, enamorada, casou-se com ele na década de 1980 – ocasião em que Freire retornou do exílio. Ela o acompanhou até 1997, ano de sua morte, mais precisamente em um 2 de maio, em São Paulo, aos 75 anos, após uma parada cardíaca.
Neste domingo, 19 de setembro, se vivo estivesse o Patrono da Educação Brasileira – reconhecimento dado em 2012 pela então presidente Dilma Roussef, via Lei Federal – celebraria um centenário de vida.
“E eu estaria dizendo a ele como a primeira coisa antes dos parabéns, que o amo muito. Tenho a presença dele muito clara nestes 24 anos de ausência”, complementa Nita Freire, sobre o homem que dedicou uma vida a versar sobre uma educação que liberta e transforma, não como mero ato de transferir conhecimento, mas como processo que vai além do indivíduo e espelha realidades.
Mestre e doutora em Educação, Nita sucedeu à primeira esposa de Paulo Freire, Elza Freire – que se casou com ele em 1944, período que se tornou professor no Colégio Oswaldo Cruz, instituição onde estudou quando adolescente, e ingressou na Faculdade de Direito do Recife.
Sua entrega à alfabetização dos mais pobres não tardaria, com a implementação na década de 1960 do chamado “Método Paulo Freire” e com a mais importante obra de seu acervo, “Pedagogia do Oprimido”.
Antes disso, fincou ideais no Movimento de Cultura Popular (MCP), sendo um dos fundadores. “Paulo foi um homem íntegro, lutou pela educação. Era a favor dos oprimidos, e isso não é pecado, é virtude. Há quem tome isso como desonra, mas não importa, Paulo foi o maior educador do País e um dos grandes do mundo”, ressalta Nita, em menção à hostilidade que paira sobre o homem reconhecido internacionalmente e detentor de dezenas de títulos Doutor Honoris Causa em universidades do Brasil e do mundo.
Memórias do Recife
“Paulo tinha uma alegria, menina!”, contou ela, rindo ao relembrar do tempo em que visitava o Recife ao lado dele - embora pernambucana, conviveu com Freire em São Paulo - e o acompanhava em “extravagâncias nordestinas”.
“A alegria dele era ir à praia sob o sol quente, tomar banho em um mar morno e comer tapioca, macaxeira, cuscuz com manteiga, sarapatel e buchada. Ele era louco por isso”, confessou para, em seguida, mostrar deslumbramento com as homenagens ao centenário.
“Eu sabia que ele ia ser reverenciado, mas não tanto. Homenagear Paulo é seguir com o ato de ‘esperançar’. Precisamos deixar que o verbo venha à frente do substantivo esperança, ele pregava, ação, mobilidade. Não podemos nos acomodar com o que o Brasil se transformou”.