André Mendonça, do STF, suspende decisão que determinou retirada do show do comediante Léo Lins
Ministro viu censura prévia em decisão da Justiça de São Paulo, mas manteve ação penal contra humorista
O ministro André Mendonça, do Supremo Tribunal Federal (STF), cassou a decisão da Justiça de São Paulo que determinou a retirada de todas as plataformas digitais de um programa do humorista Léo Lins. A decisão é desta quinta-feira. Disponibilizado no YouTube no final do ano passado, o especial "Perturbador" já havia sido assistido por mais de 3 milhões de pessoas.
Em decisão de maio, a juíza Gina Fonseca Correia, do Setor de Atendimento de Crimes da Violência contra Infante, Idoso, Pessoa com Deficiência e Vítima de Tráfico Interno de Pessoas (Sanctvs), além de derrubar o especial, proíbe Lins de "realizar, em suas apresentações, quaisquer comentários, bem como de divulgar, transmitir ou distribuir, quaisquer arquivos de vídeo, imagem ou texto, com conteúdo depreciativo ou humilhante a qualquer categoria considerada minoria, ou vulnerável." A decisão também proibia o humorista de se ausentar de sua comarca sem autorização judicial.
Ao decidir, Mendonça suspendeu a decisão da justiça paulista, assim como "todos os seus efeitos, sem prejuízo da regular continuidade de eventual inquérito policial ou ação penal em curso, decorrente ou conexo ao processo cautelar". Léo Lins foi denunciado pelo Ministério Público de São Paulo pela possível prática do crime de racismo e também pelo crime de discriminação de pessoa em razão de sua deficiência.
Para o ministro do STF, a decisão da justiça de São Paulo optou "pela imposição de censura prévia ao reclamante, adotando-se técnica coativa que, inclusive, gera grave insegurança jurídica, além de franca violação aos princípios da proporcionalidade e da razoabilidade".
"Embora tenham sido apontados exemplos de suposta prática ilícita pelo reclamante, mencionando-se “indícios de incitação à violência e franco desrespeito à dignidade de grupos histórico e socialmente minoritários e vulneráveis”, a decisão não ordenou a exclusão de falas específicas, mediante a indicação concreta do ilícito, em tese, praticado. Limitou-se a exarar comandos genéricos de ampla proibição, fazendo largo uso do termo “quaisquer” para se referir a “arquivos de vídeo, imagem ou texto”, “conteúdos”, “comentários” etc. que, abstratamente, possam ser tidos como “depreciativo ou humilhante” para “qualquer categoria considerada como minoritária ou vulnerável”", argumenta o ministro.
O caso chegou ao STF por meio de uma reclamação apresentada pela defesa do humorista em junho. Na ação, o advogado de Léo Lins alega que ação da Justiça paulista fere a liberdade de expressão, indo na contramão das posições já adotadas pelo Supremo.
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Para o ministro do STF, a decisão de suspender a proibição imposta a Léo Lins "não implica juízo de mérito acerca da responsabilidade criminal do reclamante, seja porque não é esse o objeto da reclamação, seja porque não estão presentes, nestes autos, todos os elementos necessários a tal exame, cuja competência, de resto, recai sobre as instâncias ordinárias".
"O caso dos autos comporta, ainda, dois importantes registros complementares. O primeiro diz respeito ao ambiente em que as falas, supostamente “indicativas” da prática de ilícito penal, foram proferidas. Trata-se, a toda evidência, de um show de humor, conhecido como stand up comedy, modalidade atualmente bastante difundida no Brasil, no qual imperam – e é exatamente isso que esperam os consumidores desses eventos – o riso, a galhofa, a deformação hiperbólica da realidade, a crítica abusada, debochada, mordaz, polêmica, por vezes ofensiva e, frequentemente, sem qualquer compromisso com o ideário politicamente correto", afirma o ministro.
De acordo com Mendonça, é consolidado o entendimento do STF "acerca da preferencial proteção constitucional garantida ao exercício das liberdades criativas do espírito humano, a abranger a livre produção e apresentação de quadros humorísticos, ainda que o produto dessa criação não guarde consonância com critérios religiosos, morais ou ideológicos majoritários (ou mesmo minoritários) da sociedade".
Na época da decisão de São Paulo contra Lins, outros comediantes como Fábio Porchat, Antônio Tabet e Carioca, que foram solidários a Lins em suas redes sociais. "Isso aqui é uma vergonha! Inaceitável!", escreveu Porchat.
Já Tabet publicou: "Não cabe à Justiça - e nem a ninguém - aprovar ou censurar piadas alheias. Pode-se gostar, detestar ou criticar a comédia ou o comediante, mas piadas são só piadas. Piadas não matam mais que dramas, jornalismo, publicidade ou a realidade."