Aos 65 anos, Barbie é tão popular no planeta quanto a coca-cola, diz executiva
Lisa McKnight, vice-presidente executiva da Mattel, conta como estancou a queda nas vendas com a decisão de abraçar temas como diversidade e feminismo
LOS ANGELES (EUA) — O filme homônimo lançado no ano passado, que teve bilheteria global de US$ 1,4 bilhão (cerca de R$ 7 bilhões) e disputa neste domingo oito Oscars, fez da boneca assunto mundial, o que a responsável pela renovação da marca comemora.
"Somos, hoje, tão populares no planeta quanto a Coca-Cola", diz McKnight, em entrevista ao GLOBO no quartel-general da Barbie, em El Segundo, área industrial do sudoeste de Los Angeles, EUA.
Lá é possível conferir cada etapa de criação da boneca mais famosa do mundo, da motivação de uma nova edição à pesquisa, observar resultados de meses de conversas com consumidores (crianças e seus responsáveis) e psicólogos, e até descobrir detalhes curiosos como a invenção dos cortes e cores de cabelos das novas encarnações da personagem criada em 1959, vivida agora por Margot Robbie no cinema.
O sucesso do filme provou que a guinada na marca Barbie imaginada por McKnight há uma década era o caminho certo para rejuvenescer um brinquedo que estava ficando datado, ela admite.
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Assim como outras executivas da Mattel ouvidas pelo GLOBO, McKnight responde que os prêmios e a bilheteria do filme respondem às críticas conservadoras ou que avaliam a obra da diretora Greta Gerwig como menos feminista que o esperado.
Diversidade é um mantra atualmente para uma boneca criticada justamente por ter se tornado símbolo de um padrão de beleza. A executiva, que já comandou o grupo Endemol Shine (criador do formato do reality show “Big Brother”) destaca como parte das comemorações o lançamento da primeira boneca indígena amazônica, inspirada na influenciadora brasileira Maira Gomez, do povo Tatuyo.
A boneca tem roupas típicas e pinturas características no rosto. A seguir os principais trechos da conversa.
Ao ser apresentado à cronologia da Barbie aqui, veio à minha cabeça, Bob Dylan…
Por essa eu não esperava! (risos). De que modo?
Em “The back pages”, ele diz “ah, mas eu era muito mais velho / sou hoje mais jovem do que já fui”…
Exato! É exatamente isso o que a gente quis fazer com a Barbie. Um processo de evolução e atualização em que ela não poderia, em nenhum momento, deixar de ser o espelho, de conversar, com o tempo presente. A Barbie precisava estar em um estado de evolução constante.
Era a única maneira de aquela criação que completa 65 anos neste fim de semana seguir relevante, atual, do mesmo modo que na vida real. Nadando na corrente, sempre buscando se renovar.
A boneca tem se transformado rapidamente, abraçando temas sociais, representatividade, profissões menos óbvias. O que foi mais difícil nesse processo?
Não tínhamos opção. Há exatos dez anos nos deparamos com os números e constatamos que havia uma queda relativa de vendas. Sempre conversamos com os clientes, em vários canais, e, naquele momento, o retorno era, para ser 100% honesta, alarmante.
O que os consumidores diziam?
Elas, especialmente. As mães, e as que tinham brincado com a Barbie. De modo geral, não se sentiam mais confortáveis com a boneca que fizera parte da infância delas. Não consideravam mais, inclusive, dar uma às filhas ou como presente no aniversário a uma amiguinha delas. Percebemos então o tamanho do problema.
Por outro lado, foi um sacode, nos acordou. Tínhamos que, muito rapidamente, modernizar a marca, nos convencer e, depois, os clientes, de que a Barbie poderia, não, deveria, refletir o tempo em que vivemos.
Mudanças são arriscadas. Quando vocês perceberam que era o caminho correto?
Foi uma combinação do resultado mais prático, o aumento dos negócios, das vendas, e, de novo, o feedback das centenas de grupos de consumidores da Barbie com quem mantemos contato próximo mundo afora. A percepção foi mudando muito claramente, podíamos medir, era palpável.
Nós nos posicionamos para fazer parte de um movimento de redefinição das percepções do corpo feminino, de positividade, alargamento de definições de beleza, e, acima de tudo, inclusão e diversidade. Representatividade foi crucial também. A Barbie passou a ser, assim, mais singular, menos genérica. Precisávamos inovar para sobreviver.
Houve resistências, como no caso da Barbie inspirada na modelo e ativista transgênero Laverne Cox. No filme, a atriz Hari Nef vive uma Barbie trans. É um caminho sem volta?
Ah, sim, é um caminho sem volta, certamente. Não vamos retroceder. Temos um time incrível nas áreas de design e marketing que fizeram uma pesquisa monumental sobre o que queríamos fazer, e de que modo. Toda vez que lançamos uma Barbie nova, conversamos extensamente com pessoas que fazem parte daquela identidade específica.
Queremos que a representação delas na Barbie seja correta. Ou não faz sentido. E muito claramente nos posicionamos a favor de quem retratamos: estamos, ao nosso modo, endossando-as. E, até o momento, estamos orgulhosos e felizes com o que fizemos neste sentido.
O filme, de certa forma, sintetiza essa transformação?
Essa foi a ideia. Para começo de conversa, não conseguiríamos atrair nomes como (a diretora) Greta Gerwig, (a protagonista) Margot Robbie e todo o elenco se não tivéssemos feito o que fizemos anteriormente, se não fosse essa Barbie “evoluída” a que eles retratam.
A Barbie do filme já é a que, acreditamos, tornou-se um símbolo, talvez surpreendente para muitos, de empoderamento feminino. E aí o sucesso do filme, criou essa explosão, proporcionou a mais pessoas se debruçarem sobre a transformação de um ícone pop. Ele escancarou a multiplicidade da marca Barbie e não poderíamos ter ficado mais felizes com o resultado.
Ninguém duvidava de que o filme seria um sucesso popular. Como vocês se prepararam, do ponto de vista da marca, para aproveitar ao máximo da oportunidade?
Apostamos que seria um fenômeno cultural, e foi. Mas até isso, sendo bem honesta, superou todas as expectativas.
“The world of Barbie” (exposição com experiências relacionadas à boneca) está neste momento na Arábia Saudita. Qual é a ambição da marca como ‘soft power’ global?
É um reflexo do tamanho do filme. Ele criou, creio, um senso de comunidade global de sororidade. A resposta é tão boa porque o mundo estava procurando uma mensagem positiva e um meio para isso.
Como a Barbie transformou você, quando criança?
Cresci brincando, nos anos 1970, nas proximidades de São Francisco, onde morávamos, na Califórnia, com a Barbie Malibu, que era com quem dialogava. São Francisco tinha aquela neblina perpétua, era cinza, e eu fantasiava em um dia ir também para o sul da Califórnia, ainda que não especificamente Malibu (risos).
Ela me ajudou a entender quem eu era, a criar histórias, a socializar com amigas na escola. E me trouxe até aqui.
Brasileiras indígenas agora têm uma boneca-tributo inspirada na ativista e ‘influencer’ Maira Gomez. Qual o pensamento por trás dessas homenagens a culturas e realidades específicas?
Sabemos que a marca Barbie tem um reconhecimento global de 98%. Somos, hoje, tão populares e identificáveis no planeta quanto a Coca-Cola. E com isso temos uma plataforma única para trabalhar. E trabalhar direito.
Para frente, queremos ampliar ao máximo, na prática, a ideia de inclusão e representatividade. É um movimento global, mas que só faz sentido se feito em âmbito local. Você verá mais e mais esse movimento nosso.
No caso da Amazônia e na escolha de Maira como modelo, há um comentário sobre a crise climática…
Sim. Propositadamente. Quando conversamos com as crianças percebemos que é um tema central para elas, mundo afora. Decidimos pensar em estratégias para comunicar, dentro das nossas possibilidades, as questões do meio ambiente através da Barbie.
Há alguns anos criamos a linha “Barbie ama os oceanos”, toda com plástico reciclável e chamando a atenção para a responsabilidade de todos nós neste aspecto, o que elas (as crianças) poderiam fazer para ajudar. Sabemos que há muito mais a fazer, nos aguarde.
Nos 65 anos da Barbie, o etarismo é um aspecto que poderia ter sido abordado, não? Uma Barbie de fato aparentando 65 anos não foi cogitada?
Adoramos o aspecto de que nossos consumidores vão da infância à terceira idade hoje. E celebramos, nos tributos que fazemos, mulheres ícones de todas as idades (uma das novas bonecas da série Barbie role model, que não será comercializada, é a de Helen Mirren, que tem 78 anos). Mas a Barbie, o personagem, tem uma idade específica, e isso, provavelmente, não mudará.
*O repórter viajou a convite da Mattel