LUTO

Aracy Balabanian: Filha de refugiados armênios, atriz lutou por memória de genocídio

Eterna Dona Armênia, atriz contava que carreira teve origem quando declamava poemas na língua da mãe, durante a infância

Atriz Aracy BalabanianAtriz Aracy Balabanian - Foto: Globo/Divulgação

A atriz Aracy Balabanian, que morreu nesta segunda-feira, aos 83 anos, era filha de exilados armênios em Campo Grande (MS), e aprendia a declamar poemas do idioma de seus pais nos anos 1940, quando ainda era uma menina. Sua família veio refugiada por conta da perseguição turca iniciada formalmente em 1915. Anos mais tarde, ela decidiu se tornar artista, e cinco décadas depois jamais abriu mão da memória do que seus pais e colegas de diáspora contavam sobre o período sombrio da história otomana.

Em 2015, a atriz falou ao Globo sobre experiência, identidade e luta por direitos.

— Meus pais ficaram viúvos ao mesmo tempo, e a colônia os juntou. Um precisava do outro, e, enquanto meu pai criou os filhos da minha mãe, ela criou os dele. Mesmo tendo sido criada com tanta dor, nunca cresci com mágoa, rancor. Até fazia brincadeiras, como uma em que, quando me enfeitava muito, dizia que virava uma turca muito bonita — contou, em tom de piada. — Frequentei muito a colônia armênia. Minha mãe me ensinava poesias em armênio para declamar todo 24 de abril, noite da lembrança. Eu fazia todos os outros chorarem muito ouvindo isso. Ali vi que gostava do palco.

Aracy se tornou uma das grandes estrelas da televisão brasileira, atuando especialmente no teatro e nas novelas (“mesmo com protestos do meu pai, fui adiante”). Do drama passou a musicais, cinema e até na comédia televisiva, como o grande sucesso em “Sai de baixo”. São mais de 52 anos desde a estreia.

 

Ela não apenas ficou conhecida como uma figura do show business brasileiro, como ainda protagonizou uma das maiores exposições da cultura nacional de seus pais com uma hilária personagem: a Dona Armênia, de “Rainha da sucata” (1990) e reprisada em “Deus nos acuda” (1992). A estridente mãezona arrancava gargalhadas do público quando confundia o masculino com o feminino e prometia botar “na chón” o comércio da protagonista Maria do Carmo, vivida por Regina Duarte.

— Com o Silvio de Abreu, eu pretendia criar uma mãezona húngara, inspirada em uma amiga. Mas papo vai, papo vem, o Silvio me propôs uma mãezona armênia. Minha mãe era muito tranquila, serena, mas pesquisei e lembrei com muito humor dos armênios que eram falastrões. Eu queria escrever, porque desde que meus pais morreram, só sabia palavras proibidas — riu. — Eles erravam muito o feminino com o masculino, então os três filhos lindos dela (Marcello Novaes, Gerson Brenner e Jandir Ferrari) eram “três filhinhas”.

Mesmo quando Dona Armênia descobriu ter sido traída pelo falecido marido com uma turca (rivais históricos dos armênios), não adotou espirito bélico e manteve a hospitalidade que Aracy aprendeu com a família (“Não se pode falar em dificuldade de um armênio, que todos correm para ajudá-lo!”).

Idioma proibido
No ano da entrevista, a atriz foi convidada para relembrar o centésimo aniversário do massacre em São Paulo, onde tem muitos amigos na comunidade armênia. Por conta de um tratamento de saúde, acompanhou à distância, mas não sem a mesma emoção de quem se recusou a ocidentalizar seu nome.

— Tive alguns problemas de saúde no ano passado, mas logo que saí do hospital, estava trabalhando. Herdei isso de ser batalhadora dos meus antepassados. Acredito que o máximo que fiz, da minha parte, foi dando dignidade ao meu trabalho, em 50 anos de profissão. Muita gente falou para o meu pai não me deixar atuar, ou tirar meu “-ian” do nome. Mas nunca deixei. Como eu viveria sem meu indício de armenidade? Fiz questão de não mudar, porque conhecia a garra de meus antepassados. “Vocês são bons brasileiros, mas não esqueçam de onde vieram”, era o que meu pai me dizia. E foi assim que segui.

Aracy contava que uma sobrinha foi com marido e família para a Turquia, a passeio. Conversando com o guia, mencionou a palavra genocídio. Ele negou, furioso, e disse que uma guerra civil nos anos 1910 foi responsável pelas centenas de milhares de mortes. O que a comunidade armênia pelo mundo refuta radicalmente.

— Minha mãe foi proibida de falar armênio, quando morava na Turquia. Nós conhecemos o que foi a ditadura, pela experiência no Brasil, mas imagine isso vindo de um povo bárbaro, com grande força militar. E isto que os armênios são considerados os primeiros cristãos da História.

Atriz e estudante de teatro em plena efervescência dos anos 1960, Aracy sabia que o cerco à liberdade de expressão aos armênios otomanos é comum à realidade que o Brasil viveu.

— É preciso que se reconheça o grau do que houve, para que isto não se repita, e é o que quero transmitir aos meus descendentes. Reconhecer é fechar a ferida — avaliava. — Fiz teatro durante a ditadura militar. Muitos colegas eram perseguidos por estudar e montar tragédias gregas. Os militares confundiam isto com comunismo, porque “tudo era estrangeiro”. E o pedido pela volta de tudo isso tem sido ensaiado por gente gaiata.

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