Em "Novo Mundo", novo álbum de inéditas, Arnaldo Antunes volta à sonoridade com banda
Primeiro álbum totalmente de inéditas depois de "O Real Resiste" (2020) traz participações de David Byrne, Vandal, Ana Frango Elétrico e Marisa Monte
O permanente desejo de autorrenovação e o olhar atento e arguto de artista – antena da raça – em relação às transformações que vêm atravessando a Humanidade nos últimos tempos deram a Arnaldo Antunes impulso e matéria-prima para dar vida a “Novo Mundo”, álbum lançado nesta quinta (20), nas plataformas digitais.
Com produção do pernambucano Pupillo e contando com um destacado time de músicos e convidados – participam David Byrne, Vandal, Ana Frango Elétrico e Marisa Monte –, “Novo Mundo” traz 12 faixas e é o primeiro álbum totalmente de inéditas de Arnaldo desde “O Real Resiste” (2020).
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A capa e projeto gráfico de "Novo Mundo" tem assinatura de Batman Zavereze, que já havia trabalhado com Arnaldo na turnê dos Tribalistas e também fará a direção de arte do novo show que se desenha a partir do álbum.
Novo som
“Novo Mundo” sai pelo selo Risco e chega após três anos de circulação de Arnaldo com o pianista Vitor Araújo, com quem concebeu os álbuns “Lágrimas no Mar” (2021) e “Lágrimas no Mar (Ao Vivo)” (2024), em que eram apenas piano e voz em palco.
Desse formato hiper-intimista, Arnaldo agora volta a destrinchar sua música através de uma banda.
“Fui ficando com saudades de fazer um som mais pesado, com banda, mais dançante, que eu gosto muito, e a turnê [“Encontro"] com os Titãs, nesse meio-tempo, também me entusiasmou, deu um impulso nessa direção”, comenta Arnaldo, em entrevista à Folha de Pernambuco.
A banda responsável pelo som de “Novo Mundo” é Pupillo (bateria, percussão e programações), Vitor Araújo (teclados), Kiko Dinucci (violão e guitarra) e Betão Aguiar (baixo). Eles acabaram dando uma sonoridade muito peculiar ao disco.
“Foi um disco muito cheio de surpresas no processo de feitura, de encantamento com o que cada músico fazia. Os arranjos tem uma coisa diferente, parece que cada instrumento está desenhando frases e que elas vão se entrelaçando e formam um arranjo que é um bordado, mais do que a coisa de levada de acorde”, destaca.
Músicas
A canção-título abre o álbum e já começa como uma porrada. Com uma atmosfera soturna e imbricando tecituras eletrônicas e orgânicas, “Novo Mundo” é uma crítica contundente ao cenário distópico, de crises e desafios humanitários que vivemos hoje.
“A gente vive um período com uma crise ambiental sem precedentes, uma economia global predatória, muita intolerância no mundo, guerras acontecendo. Tudo isso está um pouco nessa canção”, destaca Arnaldo.
“cada vez mais plástico e menos água/ cada vez mais casca e menos substância/ o veneno apenas fortalece a praga/ e a nau da insensatez sem freio avança/ o passado já não traz aprendizado/ o futuro se tornou uma ameaça/ todo espaço está policiado/ e a conduta mais comum é a trapaça/ a caixa de pandora escancarada/ das redes liberou o ódio anônimo/ o medo é a arma mais usada/ e a pior derrota é o desânimo” (“NOVO MUNDO”, Arnaldo Antunes).
Outras canções seguem nessa linha de um discurso mais ácido, como a excelente “O Amor é a Droga Mais Forte”, “Tire o Seu Passado da Frente” e “Tanta Pressa Pra Quê?”, em uma crítica direta à sociabilidade mediada pelas telas, algoritmos e redes sociais.
“A gente acreditava que elas iam tornar o convívio com as diferenças uma coisa mais tolerante, e na verdade se acirraram os guetos, os ódios, os haters e um mundo que se revelou muito perverso”, diz.
Por outro lado, Arnaldo também aponta para horizontes luminosos, com canções mais solares, afetuosas. São assim “É Primeiro de Janeiro”, “Acordarei”, “Pra Brincar” (que traz uma participação familiar: Tomé Antunes, filho de Arnaldo, na guitarra), “Pra Não Falar Mal” e “Viu, Mãe?”, parceria póstuma de Arnaldo com Erasmo Carlos (1941-2022).
Esta última traz uma curiosidade: com o Tremendão ainda em vida, as parcerias costumavam ser: Erasmo musicava letras de Arnaldo. Com “Viu, Mãe?”, deu-se o processo inverso. Dessa vez, Arnaldo musicou a letra de Erasmo, que lhe foi entregue por Leonardo Esteves, filho do saudoso roqueiro.
Convidados
Arnaldo convidou um time interessante de convidados que caiu como uma luva em “Novo Mundo”. Na faixa-título, Arnaldo traz o rapper baiano Vandal, que colabora com os versos incidentais de “MUNDANOH”.
“Ele entendeu todo o sentido da música e mandou ali um discurso a mais, que acrescentou uma nova dimensão para ela”, comenta Arnaldo.
Em “Pra Não Falar Mal”, o dueto é com a jovem carioca Ana Frango Elétrico. Em versos que vão atropelando os seguintes, eles cantam sobre o caminho da retidão, com a leitura, por Arnaldo, de trecho do “Canto XLV” do “Tao-Te King”, de Lao Tzu, livro que dá base ao Taoísmo.
“Acho que [Ana Frango Elétrico] é das vozes mais charmosas do cenário musical atualmente, eu acho ela incrível, adoro os discos dela (...) Eu acho que ficou muito adequado as nossas vozes, uma respondendo para a outra. Foi lindo, eu adoro a Ana”.
O mais interessante encontro de “Novo Mundo” é com o norte-americano David Byrne, fundador dos Talking Heads.
“Eu sempre tive muita identificação com o trabalho do David Byrne, desde os Talking Heads. O ‘Stop Making Sense’ me marcou, e não só a coisa só da música, mas da performance… é um trabalho que eu tenho muita afinidade e sempre tive muita admiração”.
Byrne participa de duas canções no álbum: as bilíngues “Body Corpo” e “Não Dá Pra Ficar Parado Aí na Porta”, com Arnaldo cantando em português e ele, em inglês.
E a grande e, certamente, mais profícua parceira de Arnaldo, a cantora e compositora Marisa Monte participa na composição e cantando com ele a música “Sou Só”, que conta com um quarteto de cordas arranjado por Antônio Neves.
“Eu acho que já tem uma entidade quando junta nossas duas vozes, já é uma outra coisa que tem vida própria, me parece”, comenta Arnaldo sobre a amiga e parceira de mais de três décadas.
Show e turnê
Arnaldo se prepara para lançar “Novo Mundo” em palco logo em breve. O novo show estreia no próximo dia 11 de abril, no festival “Queremos”, que acontecerá no Circo Voador, Rio de Janeiro (RJ).
A banda que o acompanhará na turnê é quase a mesma que gravou o disco: estarão em palco Kiko Dinucci (violão), Vitor Araújo (teclados), Betão Aguiar (baixo), além de Curumin (bateria) e Chico Salém (guitarra).