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Audiovisual

Ataques virtuais a filmes e séries expõem lado reacionário de parte dos fãs

Entre os exemplos mais recentes de ataques está à versão de "A Pequena Sereia", com Halle Bailey, atriz negra, no papel de Ariel

"A Pequena Sereia""A Pequena Sereia" - Foto: Divulgação

Quando a Disney divulgou recentemente o primeiro trailer de "A Pequena Sereia", versão em live-action da famosa animação de 1989, o vídeo recebeu 1,5 milhão de dislikes no YouTube em dois dias. Além das reações negativas, uma chuva de ataques racistas foi direcionada a Halle Bailey, atriz e cantora negra escalada para dar vida ao papel de Ariel. 

Algo semelhante ocorreu com as séries "House of the Dragon" e "O Senhor dos Anéis: Os Anéis de Poder", que inseriram personagens negros com destaque em suas tramas, mostrando que embora a indústria do entretenimento avance em termos de diversidade e inclusão, parte do seu público demonstra resistência a essas mudanças. Prova disso foram os diversos comentários com xingamentos e ameaças sofridos por atores de ambas as produções. 

A questão racial não é a única a mobilizar o ódio dos internautas. Antes mesmo de estrear no Disney+, "Mulher-Hulk" foi bombardeada por críticas negativas no site IMDb. Semelhantemente, o filme "Capitã Marvel" sofreu com uma campanha de boicote na plataforma Rotten Tomatoes. Em comum, as duas produções carregam o fato de colocarem personagens femininas como protagonistas de histórias da Marvel

Capitã Marvel

"Como mulher, celebro e me sinto bem representada quando assisto a essas produções. Em contrapartida, os ataques têm sido cada vez mais ferozes e raivosos, e quase nunca bem argumentados", aponta Jamille Ramos, mestra em Língua e Cultura pela Universidade Federal da Bahia (UFBA), que mantém uma página no Instagram (@jamillenacena) dedicada à análise da representação feminina em filmes e séries. A pesquisadora batiza esse fenômeno de "Síndrome da Infância Destruída", que é causado por três fatores apontados por ela: o poder, o privilégio e a identificação. 

"O poder entra na questão mercadológica, de tomada de decisão do que e quando vai ser produzido, que geralmente é um lugar ocupado por homens (brancos). Nessa tomada de decisão fica embutido o privilégio, ou seja, o lugar que estão ocupando é meu e eu não quero ficar de fora nunca. A identificação tem a ver com se ver em tela representado. Quando a maioria dos filmes é feito sobre e para homens e mulheres brancos, a representatividade de outros grupos incomoda e muito", pontua. 

Apesar de Hollywood ter utilizados por diversas vezes atores brancos para interpretarem personagens originalmente negros, asiáticos, indígenas ou latinos, a mudança racial parece incomodar bastante uma parte do público ligado à cultura pop. Parte das críticas direcionadas a determinadas produções se escoram na suposta falta de fidelidade às obras originais, uma vez que a sereia Ariel do desenho animado é branca e que J.R.R. Tolkien nunca teria descrito figuras negras nos livros de "O Senhor dos Anéis", por exemplo. 

"O Senhor dos Anéis: Os Anéis do Poder

"As adaptações sempre reivindicaram modificações através da licença poética. Em tese, isso não se constitui como um problema. Então, porque algumas licenças poéticas nas adaptações não geram incômodo e outras sim? Ainda, se a adaptação não mexesse na supremacia branca e do masculino heteronormativo, seria um incômodo? Se pensamos em espaços de pertencimento e identificação, nada mais óbvio e justo que comecemos a efetuar mudanças na forma como essas representatividades vêm sendo mostradas. O problema é que isso mexe com as estruturas de poder", aponta Fernanda Capibaribe, professora do Departamento de Comunicação da Universidade Federal de Pernambuco (UFPE). 

Se a intenção dos ataques coordenados em massa é pressionar os estúdios a deixarem de investir em diversidade nas suas produções, o tiro parece estar saindo pela culatra. Séries e filmes de ficção têm buscado cada vez mais fugir dos antigos padrões estabelecidos de protagonistas. 

"Toda reação que parte de fobia social causa o efeito de incidir em violência, ainda que simbólica e psicológica. Contudo, se pensamos no alcance efetivo de tais ataques, acho que o efeito é pequeno em relação aos avanços na luta por legitimidade e visibilidade, contra o patriarcado, o racismo e a LGBTfobia", analisa Fernanda. 

Em contrapartida às demonstrações de rejeição, outra parte significativa do público comemora cada avanço. Uma demonstração disso é a série de vídeos que circulam há algumas semanas nas redes sociais, com as reações emocionadas de garotas negras ao verem na nova versão de "A Pequena Sereia" uma princesa parecida com elas. 

"O nosso imaginário e muito da nossa identidade é formado pelo que consumimos de audiovisual. Então, eu acho lindo como as novas gerações têm a oportunidade de se reconhecer em tela, em papéis que não sejam de subalternidade. Eu quero mais e mais oportunidades, que seja natural e que não precisemos celebrar as migalhas", defende Jamille.

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