Atento às reprises de “Império” e “Ti-Ti-Ti”, Tato Gabus Mendes exalta as surpresas da tevê
A tevê se tornou uma grande companheira para Tato Gabus Mendes durante a pandemia. Revisitar as peripécias do controverso Severo de “Império”, inclusive, faz com que o ator reafirme sua fé no quão imponderável e surpreendente pode ser uma novela. Em 2014, ano de exibição original, o ator estava entusiasmado por ser seu primeiro encontro com o texto de Aguinaldo Silva e ainda por fazer um personagem mais popular e rústico, bem diferente dos tipos engomadinhos que ele vem colecionando ao longo de mais de três décadas de carreira.
Para sua completa surpresa, Severo cresceu ao longo da trama e formou uma bela dupla com Magnólia, a esposa interesseira vivida por Zezé Polessa. Na trama, os dois são pais de Maria Ísis e Robertão, papéis de Marina Ruy Barbosa e Rômulo Neto, e acreditam que os filhos têm o dever de proporcionar uma vida de luxo aos pais. “Me assustei durante a primeira leitura do texto. Fiquei pensando na complexidade de dizer as coisas absurdas que saíam da boca do personagem. Achei que ele seria odiado, mas tudo aconteceu de forma muito inusitada. O humor que já estava no texto foi evidenciado pela atuação e acabou jogando o Severo e a Magnólia nos braços do público”, analisa.
Natural de São Paulo e filho do renomado autor de novelas Cassiano Gabus Mendes, falecido em 1993, Tato convive desde cedo com o universo da televisão. Por isso, foi natural que optasse pela atuação como carreira e que integrasse o elenco de diversas novelas criadas por Cassiano. A estreia na tevê foi aos 24 anos, justamente em “Ti-Ti-Ti”, trama assinada por seu pai, exibida em 1985. Cerca de 25 anos depois, a novela ganhou um “remake”, agora reprisado pela primeira vez na faixa saudosista do “Vale a Pena Ver de Novo”.
Além de adorar o humor que rege a história, Tato se emociona ao ver a memória de Cassiano ser devidamente celebrada pela televisão. “Sou suspeito para falar. Adorava vê-lo criar e ficava espantado com as coisas que ele fazia. Antes de ser um grande novelista, ele também foi ator, produtor e diretor. Então, ele não entendia apenas de novelas, mas de televisão. Por isso, virou uma referência e continua influenciando até hoje”, valoriza.
P - Severo é um homem que não gosta de trabalhar e é capaz de explorar os próprios filhos para conseguir dinheiro. Diante desse perfil, chegou a temer uma rejeição do personagem por parte do público?
R - No início, a gente tinha um pouco de medo. Mas aconteceu o contrário pelo fato de termos levado para o lado do humor. E o texto também é muito engraçado, apesar de tratar de comportamentos condenáveis. O público se espantava e se divertia ao mesmo tempo.
P - Como você encontrou essa possibilidade de explorar o humor?
R - Na verdade, como a gente não tinha lido o texto pela sinopse, não sabíamos que eles seriam tão contundentes na coisa de explorar os filhos. De início, sabíamos que era uma família simples, que vinha do interior e que o Severo foi um funcionário público que conseguiu ser demitido. Então, quando lemos o texto é que vimos que o caminho mais indicado seria esse, de tentar ir para o lado do humor para amenizar um pouco o possível choque.
P - Diante de todos os exageros e desvios de caráter de Severo, você acredita que é um personagem possível de existir fora da ficção?
R - Posso falar que já encontrei várias pessoas que me contaram histórias de parentes com ações iguais às dos personagens do meu núcleo. A verdade é que, infelizmente, tem gente assim mesmo (risos).
P - Em cena, você aparece com uma imagem mais desleixada. Como foi essa construção física do personagem?
R - Severo é sem grandes vaidades. Não acho que ele teria muito cuidado em cortar o cabelo. Por isso, quando vi que meu cabelo estava comprido, sugeri à direção que ele devia usar preso, fazendo um rabinho meio cafajeste. Eles gostaram da ideia e ficou engraçado porque o Rômulo (Neto), que interpretava o filho, Robertão, também usava esse estilo. Outras coisas foram surgindo ao longo da exibição. Como ele é um cara sem educação, imaginei que seria legal ele não ter qualquer postura na hora de comer, e aí adotei em cena a mania de mastigar palito de dente depois das refeições. Funcionou muito bem.
P - Como foi a preparação com o núcleo do Severo para encontrar um tom mais natural entre os integrantes da família?
R - Foi outra coisa que foi tomando forma ao longo das gravações. É claro que fizemos algumas leituras antes de ir para o estúdio, mas a sintonia nasceu mesmo nos ensaios, que foi onde a pegada de humor começou a aparecer. Em novela a gente não tem muito tempo para estreitar os laços e fazer uma construção adequada. Então, ficamos bem satisfeitos de ver isso acontecendo em cena.
P - Você está na tevê há mais de 35 anos e tem o costume de estar sempre envolvido com alguma produção. Como é se rever em momentos distintos em “Império” e no “remake” de “Ti-Ti-Ti”?
R - É um sinal interessante de que me envolvi nos projetos certos nos últimos anos. A verdade é que a tevê é onde me sinto em casa. Convivo com estúdios e câmeras desde muito cedo. Aprendi que é natural ficar com muita saudade de trabalhar. As coisas estão voltando. Aos poucos, mas estão voltando. Isso me deixa muito feliz e esperançoso.
P - Você esteve nas duas versões de “Ti-Ti-Ti”. Acha que a novela representa o legado de seu pai na tevê?
R - Acho que mostra o poder que ele tinha em relação ao horário das sete. Mas ele era um autor realmente muito versátil. Vejo novelas recentes da faixa e consigo identificar o quanto o texto do meu pai ainda é uma referência.
P - Por ser filho de alguém tão reconhecido no meio artístico, em algum momento você se sentiu pressionado a corresponder às expectativas em torno deste parentesco?
R - Tanto eu quanto Cássio (Gabus Mendes, irmão) passamos por isso. Foi um pouco duro, mas já estava com a cabeça feita quando fui fazer televisão. Já sabia que ia enfrentar isso. Achava que, por um lado, era normal, isso acontece mesmo em todas as áreas, seja advocacia, futebol ou medicina. As pessoas ficam esperando. E como eu convivi com isso em casa, vi muita gente na televisão que fez sucesso, depois fracasso e foi esquecido. Ter noção dessa coisa efêmera que é o sucesso me protegeu bastante. Mas não vou dizer que não sofri.
“Império” - Globo - de segunda a sábado, às 21h.
“Ti-Ti-Ti” - Globo - de segunda a sexta, às 16h30.
Pronto para o riso
Como as duas versões de “Ti-Ti-Ti”, de 1985 e 2010, “Que Rei Sou Eu?”, de 1989, “Perigosas Peruas”, de 1992, “Três Irmãs”, de 2008, e “Cheias de Charme”, de 2012, entre outras. Muito dessa “frequência” se explica pelo fato de o ator se sentir à vontade fazendo comédia, gênero que permeia boa parte das tramas do horário. “Quando aparecia um personagem com uma coisa engraçada, irônica, a tendência era lembrarem de mim. Isso é bom até um certo ponto”, avalia.
Apesar de confortável no humor, chegou um momento em que Tato começou a se sentir estigmatizado. Algo que ele jura que só aconteceu depois de muitos papéis cômicos. “Durante muitos anos, essa possível limitação não me incomodou. Quando sentia que um papel tinha muitas semelhanças com outro, trabalhava para criar as diferenças. Estava feliz fazendo humor. Até que um dia, comecei a achar tudo repetitivo demais. Aí, comecei a selecionar um pouco mais”, pondera.
Montanha Russa
Crescer dentro dos estúdios de tevê fez Tato Gabus Mendes desenvolver um olhar realista sobre a profissão de ator. Por isso, ele tem plena consciência de que os altos e baixos são inerentes à carreira. “Nem toda novela vai ser um sucesso e, muitas vezes, o personagem simplesmente não acontece. É preciso ter paciência e continuar trabalhando até o último capítulo da melhor forma”, conta.
A postura mais racional não significa que Tato não sofra internamente quando um trabalho seu não alcança a repercussão ou tamanho esperado. “O problema no Brasil é que a memória é sempre curta, o último trabalho fica mais marcado. Você faz cinco trabalhos muito bem e, de repente, faz um que dá errado. É esse que acaba se sobressaindo mais, o que é muito triste e injusto”, lamenta.
Instantâneas
# Antes de estrear como ator, Tato Gabus Mendes tentou trabalhar na tevê como escritor.
# Um dos momentos mais difíceis da vida do ator foi ter de lidar com a morte de seu pai nos bastidores de “O Mapa da Mina”, de 1993, última obra assinada por Cassiano Gabus Mendes.
# Em mais de três décadas, Tato contabiliza cerca de 45 participações na tevê. Em 2008, por exemplo, ele esteve na minissérie “Queridos Amigos”, gravou a série “Casos e Acasos” e ainda teve um papel de destaque em “Três Irmãs”.
# Atualmente, Tato está comprometido com as gravações de “Quanto Mais Vida Melhor”, próxima novela das sete, que segue sem data de estreia definida.