Autora Jojo Moyes conta como superou burnout, divórcio e morte da mãe com livro leve e divertido
Comédia sobre amizade feminina improvável, "Um passo de sorte" inaugura fase "pipoca" da inglesa
Os últimos anos foram desafiadores para a escritora Jojo Moyes. Por conta do marasmo que a rodeava, a best-seller inglesa de 54 anos passou a ler e ver livros e filmes bem mais leves e divertidos do que seu gosto habitual.
Seu novo romance reflete esta nova fase da vida, mais descompromissada e escapista. Lançado agora no Brasil, “Um passo de sorte” é uma dessas pipocas dignas de virar um filme da “Sessão da tarde”. No melhor estilo “trocando as bolas”, os destinos de duas mulheres com vidas muito diferentes se cruzam por um golpe do acaso.
— Eu não queria mergulhar em histórias tão sombrias quanto as que estávamos todos vivendo — diz Moyes, em entrevista por e-mail, de Londres, onde mora. — Então percebi que era isso que eu queria escrever: uma possibilidade para os leitores fugirem (dos problemas), pelo menos por algumas horas.
Mas voltemos um pouco no tempo. Pauline Sara Jo Moyes virou Jojo Moyes em 2002, quando trocou uma carreira de dez anos no jornalismo pela vida de romancista. Traduzida para 40 idiomas, ficou conhecida por sua capacidade de alternar romance de época e histórias mais contemporâneas.
Ela é hoje uma das autoras mais lidas do Brasil — foram mais de 4,3 milhões livros vendidos por aqui, em grande parte com a trilogia mega-seller “Como eu era antes de você”, que virou filme em 2016. Apesar de todo esse sucesso, uma série de dificuldades afetou a sua rotina entre 2019 e 2021.
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Nesse período, enfrentou um burnout no trabalho, viu o casamento chegar ao fim e perdeu a mãe, que vinha de uma longa batalha contra um câncer. No meio do caminho, estourou a pandemia. Tantos eventos transformadores fizeram a autora simplesmente parar de escrever ao longo de todo o ano de 2020. Uma novidade na rotina da escritora, que até então costumava usar o trabalho como válvula de escape.
— Estava exausta e simplesmente não conseguia fazer meu cérebro funcionar da maneira certa — ela conta. — Olhando para trás, parece compreensível diante daquilo com que eu estava lidando. Mas, na época, parecia muito perturbador, especialmente porque muitos de meus amigos escritores estavam usando o tempo preso em suas casas para escrever sem interrupção. Então, eu tentei ser gentil comigo mesma e entender que, às vezes, cuidar dos meus filhos, da minha casa e dos meus animais já era mesmo o suficiente.
O bloqueio começou a ser vencido com um conto que acabou sendo disponibilizado on-line, gratuitamente, a seus leitores durante a pandemia, “Lou na quarentena”. A história, que trouxe de volta a personagem Louisa Clarke, do sucesso “Como eu era antes de você”, foi escrita para dar uma animada aos confinados. A resposta positiva empolgou a autora, que ganhou forças para começar “Um passo de sorte”.
Ainda que a trama envolva mulheres de meia-idade lidando com grandes mudanças em suas vidas, Moyes não tem certeza se os seus próprios problemas pessoais chegaram a influenciar o que escrevia.
— Minhas próprias circunstâncias eram muito diferentes daquelas da história — diz Jojo Moyes. — Ainda sou uma boa amiga de meu ex-marido, por exemplo. O único impacto real foi querer escrever algo alegre e, às vezes, engraçado. Acho que ver humor na tragédia é uma resposta muito inglesa. Talvez um dia eu escreva um livro muito sombrio sobre essas coisas, mas duvido!
Fonte de inspiração
Moyes gosta de escrever sobre as pessoas e os conflitos em que elas volta e meia se metem. Fascinada por psicologia e há 20 anos no divã, a autora acredita que a terapia lhe ajudou a entender um pouco melhor os dilemas humanos.
— Como uma escritora que baseia suas tramas em personagens, posso dizer que a terapia definitivamente melhorou minha escrita — diz. — Estou infinitamente interessada nas maneiras como sabotamos a nós mesmos e nossa própria felicidade, e também nas possibilidades de mudança. Não encontrei inspiração em minhas próprias sessões, mas incluí uma subtrama sobre terapia em “Um passo de sorte”. Queria mostrar como até mesmo um homem resistente à autorreflexão poderia se beneficiar da terapia. Acho que a saúde mental masculina é um tema que está começando a ganhar destaque.
Na trama do livro de Jojo Moyes, Sam está por um fio no casamento e no emprego, sofrendo com um marido apático e um chefe insuportável. Em um dia corrido, ela pega por engano a bolsa de uma desconhecida na academia de ginástica e se vê em posse de um extravagante par de sapatos Christian Louboutin, caríssimos, com estampa vermelho crocodilo e salto de 15 centímetros de altura. O calçado, que em nada combinava com sua personalidade, lhe traz uma confiança inédita e resultados surpreendentes no trabalho.
Do outro lado da equação está Nisha, a esposa-troféu de um milionário e legítima dona dos saltos. Acostumada a viagens internacionais e a roupas de grife, ela odeia o conteúdo da bolsa que pegou e passa a viver o processo contrário de Sam ao longo do dia. Barrada do hotel em que está hospedada, descobre que o marido pediu o divórcio.
Em “Um passo de sorte”, a personalidade das duas protagonistas está refletida em seus sapatos. E a troca faz com que elas explorem coisas novas. Mas a bagagem — literal e metafórica — de cada uma é muito mais ampla, como descobrimos ao longo do livro. Elas se reinventam de forma surpreendente, especialmente após se encontrar e unir interesses.
Um dos principais temas do romance, aliás, é a camaradagem feminina — assunto que Jojo Moyes se sentiu inclinada a explorar em um fase muito peculiar de sua vida. Em seus piores momentos, conta ela, foram sempre as amigas que a apoiaram.
— Acho que à medida que você envelhece, algo especialmente adorável acontece com a amizade feminina, em que ninguém se envolve em competição ou fingimento — diz a autora. — Eu disse em uma entrevista que aos 50 somos todos sobreviventes de alguma coisa e acho que, quando você vê isso em outra pessoa, não há tempo para conversa fiada ou fingimento. Apenas vamos direto para o que importa. “Como você está mesmo? Como posso ajudar? E, sim, eu também sinto isso...”. É uma coisa inestimável. Agora que moro em Londres, vejo muito mais minhas amigas, especialmente minha melhor amiga, que eu conheço desde a escola. Vê-la três vezes por semana me dá doses regulares de felicidade.
De salto alto
Moyes diz que nunca tentou imaginar “o mundo de alguém” a partir de seus sapatos, mas reconhece que muitas pessoas fazem suposições sobre os outros com base no que calçam:
— Eu sei que, na Inglaterra, existem certos homens que julgam a classe de um homem pelo seu tipo de calçado, embora isso agora tenha ficado cada vez mais difícil já que a maioria de nós vive com tênis de corrida — diz.
Acostumada a usar botas ou tênis quando morava no campo, Moyes passou a calçar saltos ocasionalmente desde que se mudou de volta para a sua Londres natal:
— Eles definitivamente mudam a maneira como você se sente sobre si mesmo e como você se posiciona. A única coisa é que hoje eu faço isso tão raramente que meus pés ainda ficam doendo no dia seguinte. E como eu gosto de andar por todos os lugares em Londres, minhas decisões geralmente são baseadas no que será confortável para andar!