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Cinema

Saiba por que o Bob Dylan retratado em "Um completo desconhecido" mudou a música (e o mundo)

Filme com Timothée Chalamet, que estreia esta quinta no Brasil e concorre domingo a oito Oscars, mostra a fantástica trajetória do cantor e compositor entre os 19 e 24 anos de idade

Cantor Bob DylanCantor Bob Dylan - Foto: Istvan Bajzat/DPA/AFP

Filme de James Mangold que estreia esta quinta-feira no Brasil, “ Um completo desconhecido” acompanha do momento em que o jovem Robert Allen Zimmerman, de 19 anos (interpretado por Timothée Chalamet), chega a Nova York (em janeiro de 1961) até aquele no qual ele se apresenta, já aos 24 e sob muita polêmica, no Festival de Folk de Newport, em julho de 1965.

São menos de cinco anos, mas tempo bastante para que Robert, conhecido como Bob Dylan, mudasse o mundo.

Artista que deu à música popular uma importância que ela jamais havia tido — e que por isso mesmo foi premiado em 2016 com o Nobel de Literatura —, o cantor e compositor até teve glórias nos anos 1970 e 80, além de continuar fazendo shows e gravando discos antológicos pelas décadas seguintes.

Mas o mito de Bob Dylan, que segue influenciando artistas até hoje, esse foi todo construído naqueles poucos anos que “Um completo desconhecido” (filme que este domingo concorre a 8 prêmios Oscar) aborda.

E aqui vão algumas razões para isso:

O erudito precoce
Ainda na adolescência, em Duluth, Minnesota, Robert se deixou fascinar pelo rock de Little Richard, que o inspirou a formar sua primeira banda.

Em Minneapolis, na universidade, desenvolveu um grande interesse pelo blues e pelo folk orientaram suas primeiras apresentações como Bob Dylan (o sobrenome artístico, ele pegou do poeta Dylan Thomas).

Ao chegar a Nova York, a primeira coisa que fez foi visitar o ídolo, o cantor folk Woody Guthrie, que estava à morte, num hospital.

Da mistura dessas obsessões e vivências, formou-se um artista que, aos 20 anos, já era “um dos estilistas mais distintos a tocar em um cabaré de Manhattan em meses”, como escreveu o crítico Robert Shelton na resenha para o “New York Times” que levaria Dylan a ser contratado pela gravadora Columbia.

O cara certo na hora certa
Bob Dylan chegou a Nova York no momento exato em que a cidade vivia um movimento de revival da música folk americana, que levou artistas a imitarem, adaptarem e inovarem canções tradicionais, em cafés e bares de Greenwich Village.

Acolhido por figuras como Dave Van Ronk e Pete Seeger, que viraram seus mentores, e Joan Baez, prodígio do folk com quem namoraria, Dylan encontrou um ambiente propício para as suas composições, que bebiam na tradição (especialmente a musical), mas a atualizavam com letras profundamente poéticas, por vezes surreais e absolutamente modernas.

O compositor frenético
A partir de 1962, Dylan começou a fazer dezenas de canções de uma vez só, para atender a uma necessidade básica: a de que ter um repertório totalmente diferente dos outros cantores do circuito do folk, e assim conseguir se destacar com as suas apresentações.

A primeira leva, apresentada no LP “The Freewheelin' Bob Dylan”, de 1963, trazia nada mais menos que “Blowin' in the wind”, “Girl from the North Country”, “A hard rain's A-gonna fall”, “I shall be free” e “Masters of war” — músicas que serviriam não só aos seus propósitos, mas seriam cantadas ainda por inúmeros intérpretes de sucesso.

O homem Zeitgeist
Além de prolífico e eclético (capaz de escrever canções de amor tão pungentes quanto as de protesto, sem falar nas puramente filosóficas), o Bob Dylan dos primeiros anos conseguiu traduzir como nenhum outro o espírito de sua época.

“The times they are A-changin'” (os tempos estão mudando), dizia ele na canção que deu título a um dos seus LPs de 1964.

Eram, de fato, tempos em que a juventude punha em xeque as certezas dos pais, expunha as rachaduras do sonho americano e se preparava para embarcar nas utopias de paz-e-amor do sonho hippie.

Em 1965, porém, Dylan acabria sendo responsável pela canção mais emblemática da sua época: “Like a rolling stone”: seis minutos de um fluxo de pensamento nos quais ele conta a história de uma garota da classe média alta que vai parar na sarjeta.

Mas que, para o crítico Greil Marcus (no livro “Like a rolling stone: Bob Dylan na encruzilhada”, totalmente dedicado à análise da composição), isso tanto pode ser uma metáfora autobiográfica do compositor em meio a uma crise existencial quanto um retrato do desencanto do povo americano após o assassinato do presidente John Kennedy e o mergulho na Guerra do Vietnã.

A cara de uma nova música jovem
Não é exagero dizer que, a partir de Bob Dylan, a música pop, que era tida como o equivalente cultural do chiclete (algo saboroso, mas despido de nutrientes) passou a ter status de arte fundamental, tão importante quanto o cinema, o romance ou a poesia.

Dos Beatles a Jimi Hendrix, muitos foram os músicos que entraram pela porta aberta por Dylan a fim de reclamar para a canção popular as possibilidades de revolução com que as outras artes haviam sido agraciadas naqueles tempos em acelerada mudança.

Admirável sequência de discos decisivos
Imagine só: no período abarcado por “Um completo desconhecido”, Bob Dylan lançou “The Freewheelin' Bob Dylan”, “The times they are A-changin'”, “Another side of Bob Dylan” (1964), “Bringing It all back home” (1965) e “Highway 61 Revisited“ (1965, encabeçado por “Like a rolling stone”) — não apenas imbatíveis coleções de canções, mas álbuns que marcariam época, num ritmo alucinante de lançamento e surpreendentemente maduros para um artista que ainda nem tinha chegado aos 25 anos.

Em constante mudança
Em agosto de 1964, Bob Dylan encontrou os Beatles, e, supostamente, os apresentou à maconha e aos desejos de fazer músicas que explorassem outros estados de percepção.

Já estes, supostamente, teriam instigado em Dylan em trocar um pouco a austeridade do folk pelo frenesi do novo rock que a as bandas inglesas traziam.

O resultado foi a guitarra elétrica que ele passou em empunhar (para horror dos puristas no Festival de Newport) e o desenvolvimento do folk-rock, algo que o grupo Byrds já ensaiava com sucesso com algumas das canções de Dylan (como “Mr. Tambourine Man” e “My back pages”) e ele levou para as arenas, com os músicos que depois seguiriam com o nome de The Band.

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