C. Tangana: o espanhol que lançou funk bossa nova
O músico espanhol traz a musicalidade brasileira no seu terceiro disco, 'El Madrileño'
A história do álbum mais recente do espanhol C. Tangana começou com o som de "s". "El Madrileño", nome do disco, surgiu como apelido da persona que o então rapper criou numa de suas viagens ao México. Ele conta que estava batendo papo numa brecha entre gravações e shows quando alguém fez piada com o seu sotaque.
"Ele estava falando assim", diz Tangana, acentuando a sílaba sibilante, encostando a ponta da língua entre os dentes da frente. O artista retrucou que era madrilenho, não falava daquele jeito.
O cecear, fenômeno equivocadamente chamado de "língua presa" no Brasil, é um som demarcador na Espanha. Ao contrário de algumas regiões do sul do país, na Madri de Anton Álvarez Alfaro -verdadeiro nome do artista-, só os fonemas com a letra "z" se pronunciam com a língua batendo nos dentes.
"Me dei conta que 'madrileño' era uma boa forma de estar no mundo, seja na forma de representar a Espanha ou na forma como me sinto fora da cidade em que nasci. E também era uma maneira de me apresentar frente a outras músicas de maneira honesta, sem me apossar delas", diz o artista.
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Em "El Madrileño", C. Tangana se nutre de músicas latino-americanas e ibéricas para criar um pop espanhol umbigado na capital de seu país.
Harmonicamente, faz um tributo ao violão popular de países como Brasil, Uruguai e México. É o caso das canções em parceria com Toquinho e com Jorge Drexler, e da faixa "Cambia!" -um corrido, espécie de moda de viola mexicana. Ritmicamente, Tangana revisita os padrões que têm feito sucesso nas pistas do mundo, do baile funk ao reggaeton.
O músico vem escalando postos na cena musical de seu país nos últimos anos. Agora, seu terceiro disco o põe num lugar de inconteste destaque na música de língua hispânica que se estende da Europa à América Latina.
Tangana é cria da primeira geração do trap espanhol, que, em meados da década passada, deu novos ares ao hip-hop do país. "Éramos tratados como marionetes, não éramos respeitados", lembra. Hoje, ele é capa de revistas como Rolling Stone, virou queridinho da crítica de jornais como El País e lidera as paradas das plataformas de streaming.
"Me vejo como uma mudança na música urbana da Espanha", diz Tangana. "Sinto que minha geração fez um buraco na indústria".
Essa rachadura se tornou clara para o mundo com o fenômeno Rosalía, que estourou com o álbum "Malamente" há três anos. O impacto do disco mostrou que a Espanha era capaz de criar ídolos pop que fugiam do estilo crooner don juanesco de Alejandro Sanz ou Enrique Iglesias.
Transitando na ponte aérea Barcelona-Los Angeles, Rosalía hoje funde sua música ao trabalho de artistas como Travis Scott e J. Balvin. Tangana, fincado em Madri, traz os sons desses e de outros artistas para perto dele.
"Eu tinha acabado de gravar com a [cantora americana] Becky G quando falei para a minha gravadora que queria fazer um álbum com artistas que tinham mais de 70 anos", diz o cantor. "Eles não gostaram, mas todos foram seduzidos aos poucos."
Em "Demasiadas Mujeres", faixa que abre "El Madrileño", Tangana canta vários amores efêmeros sobre um sample de copla, gênero do cancioneiro espanhol carregado de drama. Em "Tú Me Dejaste de Querer", logo na sequência, o artista versa sobre uma única desilusão amorosa.