FICÇÃO E REALIDADE

Ciência comprova a narrativa que inspirou a animação 'Moana'; entenda

Descoberta de arqueólogos mostra que os habitantes polinésios do Pacífico faziam viagens de mais de 2.500 quilômetros pelo oceano aberto

Jovem guerreira vive em uma tribo comandada pelo paiJovem guerreira vive em uma tribo comandada pelo pai - Foto: Disney/Buena Vista/Divulgação

Os nativos da Polinésia, no Pacífico, têm uma versão de sua história segundo a qual, no passado, eles não eram apenas um conjunto de povos isolados pelo mar, e sim uma potência naval interligada. A versão parece ter algo de exagero, mas acaba de receber reforço da ciência.

Essa vertente histórica defende que quando os europeus chegaram à região no século 16 as ilhas polinésias já eram uma rede complexa de interação entre culturas e muitas delas já dominavam a navegação de longa distância. A base de história oral dessa narrativa, que inspirou animação “Moana”, da Disney, chegou até a ser questionada, mas a arqueologia traz agora prova material em seu reforço.

Em um estudo publicado na edição desta semana da revista “Science Advances”, um grupo de cientistas franceses e alemães apresenta uma série de artefatos antigos de pedra que foram encontrados a até 2.500 km de distância de suas origens.
 

Essa extensão, que no Pacífico não parece muita coisa, é o suficiente para cruzar o Atlântico, indo do Brasil ao oeste da África (distância entre Fernando de Noronha e a costa da Guiné). É um percurso naval que, há 500 anos imaginava-se que só europeus conseguiam fazer.

Não se questiona que os polinésios conquistaram por conta própria, num passado até mais remoto, um perímetro marinho muito maior. A cultura desses povos abarca no oceano um triângulo de 2 milhões de quilômetros quadrados, com vértices na Nova Zelândia, Havaí e Ilha de Páscoa.

Esse período de expansão inicial, porém, há mais de 3 mil anos, não guarda evidências de navegações tão longas, e pode ter se dado com viagens menores, pulando de ilha em ilha. A tradição polinésia tal qual retratada em “Moana”, de qualquer forma, relata um período conhecido como “a longa pausa”: durante mais de mil anos, os povos da região evitaram navegar para longe e se concentraram na subsistência local, cada um em sua ilha.

Renascimento do Pacífico
A tradição conta que, pouco antes do contato europeu, esse hiato terminou. Cessada a “longa pausa”, os polinésios de arquipélagos centrais teriam retomado as grandes navegações, conquistando duas regiões não povoadas: as ilhas polinésias periféricas da Micronésia e da Melanésia, curiosamente mais próximas da terra firme da Ásia continental, apesar de desertas. Mas essa teoria pressupõe que um renascimento da navegação do Pacífico central já foi questionada.

Quando exatamente teria ocorrido o fim da pausa? Não teria sido a chegada da tecnologia naval europeia a responsável por isso? Não seriam os povos da Micronésia descendentes de outros mais antigos vindos da Ásia, em vez de migrantes saídos do meio do Pacífico?

No novo estudo, liderado pelo arqueólogo Aymeric Hermann, do Centro Nacional de Pesquisa Científica da França, um punhado de artefatos de pedra oferece evidência concreta para abalar esse ceticismo.

O estudo de objetos escavados em ilhas da Micronésia e da Melanésia indica que já no século XIII os polinésios faziam navegação de grandes distâncias. Um conjunto de enxós (uma enxada para entalhar madeira), encontrados nas ilhas Salomão, vinha de uma pedreira em Samoa, a 2.500 km.

“Nosso estudo demonstra, em resumo, que as habilidades de navegação das sociedades das ilhas do Pacífico precedem o contato europeu”, escreveu o cientista. “Destacam-se padrões de mobilidade da fases de assentamento das ilhas periféricas da Polinésia em relação ao pré-assentamento”.

Eu outras palavras, assim como na história vivida por Moana, foram os próprios povos do Pacífico que puseram fim à “longa pausa” em suas navegações. O roteiro do filme, montado como colagem de diferentes lendas da região, se passa na ilha fictícia de Motunui, mas a história que conta tem fundo legítimo. (Descontados, claro, “a magia e o encanto” da Disney para adaptá-la ao grande público).

Se o desenho recebeu críticas por reforçar estereótipos, a aposta de se ancorar na narrativa tradicional da região ganha agora sabor de justiça histórica, justamente quando a Disney anuncia que vai refilmar o roteiro com atores de carne e osso.

Lendas à parte, as análises de Hermann são sofisticadas, e envolvem não apenas a assinatura geoquímica da origem das rochas dos artefatos estudados, mas também uma datação das terras onde foram encontradas, para determinar em que século foram transportadas.

Além das ferramentas de pedra, foram confirmados os deslocamentos de blocos de basalto para fazer fornos e de vidro vulcânico usado na fabricação desses artefatos. Todo esse material foi comparado com itens de um grande banco de dados de caracterização de rochas de toda a Polinésia.

Há controvérsias
Por mais que a evidência apresentada por Hermann pareça inabalável, sua interpretação deve enfrentar questionamento em outras frentes.

Na linguística, estudos de William Wilson, da Universidade do Havaí, defendem uma história de colonização para a região sem movimentos abruptos nem muito vaivém. A mesma dinâmica é apontada como provável por estudos do DNA de povos polinésios, conduzidos geneticista Rene Herrera, do Colorado College (EUA).

Pode ser que, no fim, a verdade sobre a ocupação humana no Pacífico seja a mistura de todas essas hipóteses. O estudo de Hermann, porém, força outras teorias a reconhecerem, pelo menos, que os polinésios aprenderam a cruzar a vastidão oceânica sem ajuda dos europeus.

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