Cinema pernambucano busca resistir na pandemia
Apesar de aportes da Lei Aldir Blanc e Funcultura, a crise sanitária e a falta de investimentos da Ancine prejudicam a produção de longas-metragens
Na última década, o cinema pernambucano ganhou as fronteiras. Políticas de incentivo ao audiovisual, conexão com o polo de tecnologia e prêmios internacionais consagraram produções do Estado no cenário internacional. Um desses exemplos foi “Bacurau”, de Kleber Mendonça Filho e Juliano Dornelles, sucesso de bilheteria nacional e crítica internacional em 2019. Menos de um ano depois, a pandemia chegou e interrompeu um ciclo de avanços no audiovisual pernambucano: produções foram paralisadas, festivais mudaram de formato, recursos foram retidos e salas de cinemas foram fechadas por causa das regras sanitárias.
Os cineastas Enock Carvalho e Matheus Farias lançaram o premiado curta-metragem “Inabitável” no meio da pandemia. Em menos de um ano, o filme já conquistou 28 prêmios e circulou em mais de 60 festivais. Segundo eles, o problema também se estende à circulação com projetos, já que não participaram de nenhum dos circuitos pelos quais o curta passou. Assim como outras produções locais, o filme já havia sido gravado antes da pandemia e foi lançado durante o período.
“De certa forma, a pandemia não impactou na circulação do filme. Ele está rodando os festivais, mas a gente está impossibilitado de ir junto com ele”, explica Matheus. “O filme circula, mas a gente não circula com ele”, complementa Enock.
Filme segue circulando
Apesar de colher os frutos com a produção e ter em mente um longa-metragem há pelo menos dois anos, os dois preferiram não ir ao set durante a crise sanitária para não colocar as equipes em risco. Para gravar um curta como “Inabitável”, por exemplo, foram necessários seis dias de locação e uma equipe de 40 pessoas. Um longa como “Bacurau” leva 800 pessoas.
“As poucas poucas produções brasileiras que estão rodando são as novelas da TV e as plataformas de streaming que estão produzindo conteúdo nacional, que têm dinheiro para bancar EPI, profissionais de vigilância sanitária e médicos. Isso não é uma realidade do cinema independente, aqui em Pernambuco não tenho notícia de nenhum longa que tenha sido filmado desde que a pandemia começou”, conta Enock Carvalho.
Os dois estão aproveitando para trabalhar em roteiros futuros, mas afirmam que o cenário do audiovisual não tem sido fácil no Brasil. Hoje, o cinema pernambucano depende muito do Funcultura, fruto do incentivo do governo estadual. A Cinemateca, por exemplo, está fechada há 15 meses pelo governo federal e incentivos federais para a arte têm ficado cada vez mais escassos. “O cinema e arte são trabalhos. São os que nos mantêm vivos. E isso está ameaçado. E isso estando ameaçado, nossas existências estão ameaçadas”, enfatiza Matheus.
Produção na pandemia
Com o incentivo da Lei Aldir Blanc, algumas produções mais curtas puderam ser executadas durante a pandemia, inclusive para aqueles que não tinham recursos para produzir algo antes. “A pandemia, através da Lei Aldir Blanc, me proporcionou uma coisa que eu nunca tinha vivido até aqui na minha carreira, que foi fazer filme pagando as pessoas. Eu sempre fiz filme artesanal, muito pequeno, só com enfim, apoios e ajudas e ninguém nunca recebia nada. Esse ano eu também fui curador do Tiradentes”, explica o cineasta Felipe André Silva.
Ele reitera, também, que o cinema brasileiro hoje vive um patamar de praticamente duas décadas atrás, com a produção de filmes bem menores do que os feitos nos anos 2010. “Se nesse ano a gente começou a ver uma espécie de ressaca do “cinema brasileiro feito para dentro do Brasil”, e isso eu eu coloco entre aspas, eu quero dizer, por exemplo, a produção de curta, que é uma coisa que a gente vê, sobretudo dentro e que não viaja tanto, eu acho que isso vai piorar muito. Nos próximos anos, se alguma coisa não for feita porque o financiamento para o audiovisual, em específico, tem caído e não é só por conta da pandemia”.