Com "Carro Rei", Renata Pinheiro usa a fantasia para falar da realidade brasileira
Longa-metragem foi o grande vencedor do Festival de Gramado de 2021
“Carro Rei”, novo longa-metragem da diretora pernambucana Renata Pinheiro, chega nesta quinta-feira (30) às salas de exibição brasileiras, antecedido por vitoriosas passagens por festivais. Após fazer sua estreia mundial em Roterdã, em 2021, já acumulou 16 prêmios, incluindo cinco estatuetas no Festival de Gramado.
No ano passado, o filme abocanhou os Kikitos de Melhor Filme, Melhor Direção de Arte, Melhor Som, Melhor Trilha Sonora e também o Prêmio Especial do Júri para a atuação de Matheus Nachtergaele. Em entrevista à Folha de Pernambuco, a diretora do longa disse esperar que as condecorações recebidas pelo trabalho o ajudem a dar maior visibilidade ao cinema nacional.
“Gostaria muito que o longa absorvesse um público bem comum, que vai ao cinema por causa do Matheus e acaba gostando. Com isso, a gente vai formar uma plateia para outros filmes brasileiros independentes”, projetou Renata, que se uniu a Sergio Oliveira (companheiro em trabalhos anteriores) e Leo Pyrata para a criação de um roteiro que mescla ficção científica, erotismo, comentário político e reflexões socioambientais.
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A trama de “Carro Rei” acompanha Uno (Luciano Pedro Jr), que recebeu esse nome dos pais por ter nascido dentro de um carro. Ele cresce conectado ao veículo e acaba adquirindo a habilidade de conversar com automóveis. Os dois, no entanto, acabam separados depois que a mãe da criança morre em um acidente e a máquina é levada para um ferro-velho.
O tempo passa e Uno se torna um ativista ambiental que, aos 19 anos, está prestes a ingressar na faculdade de agroecologia. Sua vida acaba tomando um novo rumo quando é implementada na cidade uma lei que determina a retirada de circulação de qualquer carro com mais de 15 anos. Para que a frota de táxi do seu pai não vá à falência, ele busca a ajuda do seu tio, o mecânico de automóveis Zé Macaco (Matheus Nachtergaele), para modificar a aparência do seu antigo melhor amigo.
Com um visual mais moderno, Carro Rei (com voz de Tavinho Teixeira) consegue enganar a fiscalização e se passar por um veículo novo. O automóvel tem vontade própria e quer mais do que ajudar nos negócios da família de Uno. Suas palavras de ordem encantam cada vez mais seguidores, mas seus ideais representam um perigo real para a humanidade.
Com uma premissa que remete a blockbusters como “Transformers” e “Se Meu Fusca Falasse”, o longa usa a fantasia para dar luz a observações muito reais. Todo o enredo envolvendo a relação homem-máquina serve como uma alegoria sobre o Brasil de agora.
“O projeto inicial é de 2014. Quando pegamos no roteiro novamente, depois de um tempo, o Brasil havia passado por muitas transformações políticas e processos gravíssimos. Tudo isso, de alguma forma, o filme absorveu”, aponta a diretora. O discurso totalitário do Carro Rei e seu poder de convencimento refletem a forma como a cineasta enxerga a ascensão da extrema direita no País. “A ficção parece absurda, mas a realidade brasileira supera e muito”, defende.
Caruaru surge como uma personagem indireta do filme. Sua escolha como locação, segundo Renata, foi fundamental para ambientar essa história. “O interessante, para mim, era filmar numa cidade média, que tem a zona rural ainda muito próxima, mas também sofre a influência dessa tecnologia agressiva. Não é o Nordeste imaculado que ainda está no radinho de pilha”, esclarece.