Como o brega saiu da periferia pernambucana às paradas nacionais
Quando Eliza Mell entrou em estúdio para gravar um brega pela primeira vez, em 2002, não demorou muito para que sua voz fosse uma das mais tocadas em Pernambuco. “Ânsia”, um clássico do ritmo pela Brega.com, tornou-se uma das canções mais populares do Estado, sendo regravada por diversos artistas posteriormente.
Mesmo conquistando o público, a voz de Eliza e tantos outros representantes do brega só tiveram um reconhecimento oficial recentemente: o gênero que não era tocado nos principais eventos públicos, tornou-se Patrimônio Imaterial da Cidade do Recife. Quase duas décadas depois de transformações profundas tanto na forma de fazer o brega quanto para se divulgar.
Divisor de águas
“Eu vejo de uma forma inusitada, porque naquela época não tínhamos essa abertura. Não existia internet praticamente, o mercado era diferente e vejo tudo isso como um divisor de águas. Eu fico muito feliz porque eu nunca desisti, eu abracei esse movimento como meu para ser a minha vida mesmo”, explica Eliza, que comandava os vocais da Brega.com em uma época que o maior espaço de divulgação era a televisão aberta local.
Como ela mesma apontou, o mercado era diferente. Sem a difusão dos ritmos pelas redes sociais, o brega dava continuidade a um legado deixado por bandas, como Labaredas, Walter de Afogados e Reginaldo Rossi, que davam o tom do gênero até os anos 1990.
Surgiram grupos voltados para o brega romântico, a exemplo das bandas-dueto, como Swing do Amor, Metade, Carícias, Ovelha Negra, Frutos do Amor, onde saíram cantoras consagradas. Pallas Pinho, Michelle Melo, Dayane Henrique e Dany Myler surgiram da mesma geração de Eliza.
Internet e o brega-funk
No final dos anos 2000, o mercado já havia mudado e a inserção das redes sociais na produção fonográfica acabaram atingindo o brega também. Em uma fusão da swingueira, brega e o próprio funk, surgiu um novo subgênero: o brega-funk. Depois das bandas e do sucesso de vocalistas feministas, os homens passam a tomar espaço - na voz e na dança - dentro ritmo, como MC Troinha, Sheldon, Shevchenko e Elloco, Vertinho, Reino, Dadá e Metal e Cego.
“O que mudou do início para cá foi o ritmo. Como eu peguei lá no início, eu peguei o puro do brega-funk, era aquela parada que era menos eletrônica. Não que o de hoje não seja bom, mas é que não faço com tanta frequência quanto antes. O processo era mais natural e os instrumentos eram colocados à mão”, explica o MC Tocha, que começou no brega-funk em parceria com o MC Dadá.
Boom com MC Loma
Os anos se passaram e as dinâmicas entre o brega e o brega-funk continuaram. Andando juntos, conseguiram dialogar entre si, até a explosão novamente do gênero em 2018 com MC Loma. O clipe de “Envolvimento”, com as Gêmeas Lacração, atingiu as principais paradas nacionais, tornando-se um fenômeno daquele ano.
No artigo “O “envolvimento diferente” de MC Loma e as Gêmeas Lacração: A produtora Start Music e a nacionalização do brega-funk”, publicado no Intercom 2018, o jornalista e pesquisador cultural Emannuel Bento fez um paralelo com o cantor Luiz Gonzaga. “Assim como Gonzaga fez com o forró, MC Loma e as Gêmeas Lacração sedimentaram a estética sonora do brega-funk nacionalmente, fazendo o ritmo ser identificado por um perfil “sócio-musical-geográfico” - o “funk de Recife”, diz o texto.
No texto, o autor evidencia o papel da Start Music, produtora musical de São Paulo, nesse processo de nacionalização do gênero, usando os conceitos da pesquisadora Simone Pereira de Sá. "Depois do sucesso do trio, outros artistas recifenses passaram a ser cooptados por produtoras do Sudeste. Eles são: MC Elvis, também contratado pela Start Music (lançou as músicas Confesso e Seu Zé) e o MC Bruninho, que assinou com a GR6 (gravadora de Livinho e concorrente direta da Start)", complementa.
Global e expansão do mercado
Evidenciando essa estética pop global, o brega-funk continuou em ascensão no País. Em 2019, o pernambucano Dadá Boladão emplacou a música "Surtada" em primeiro lugar no Spotify, principal plataforma de streaming do mundo, durante semanas.
Isso rendeu um documentário pelo próprio Spotify, chamado "O Brega-funk vai dominar o mundo", apresentado pelo jornalista e pesquisador GG Albuquerque. No curta-metragem, nomes da cena musical pernambucana explicam como nasceu o gênero e como houve toda a difusão dele.
Reconhecimento
O reconhecimento do brega-funk não impediu que o brega romântico também crescesse, como é o próprio surgimento da Banda Sentimentos - com os vocalistas Ziane Martins e Ellyson Marques. “Ficamos muito felizes, pois o brega romântico sempre fez parte do nosso cotidiano, e crescemos com suas músicas. Fazer parte disso e dar continuidade ao nosso movimento é uma honra pra gente”, enfatizaram.
Outro grupo que deu segmento ao gênero foi a Banda Bandida. "O brega pra mim é algo muito importante e especial. Foi onde eu pude me conhecer, onde eu me tornei uma cantora! O brega ter se tornado um patrimônio, é uma conquista tanto para mim, quanto para todas as cantoras e contares do movimento brega, é uma felicidade em nossos corações... Se já éramos felizes antes, agora seremos o dobro. Estou feliz, encantada com essa notícia que tivemos a poucos dias atrás", comemorou Darling, que comanda os vocais ao lado de Aninha Souza.
Ouça o podcast Folha Notícias sobre o brega: