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Das contradições se fez Ferreira Gullar

Especialistas em Literatura repercutem o legado deixado pelo poeta maranhense, que foi enterrado no Rio de Janeiro nesta segunda

Deputado federal Fernando Monteiro (PP)Deputado federal Fernando Monteiro (PP) - Foto: Divulgação

 

Ligaram da Suécia para a casa de Ferreira Gullar, no Rio de Janeiro, pedindo que ele, na sexta-feira seguinte, estivesse de frente para um telefone fixo, às 7h30. Ele, que sequer perguntou do que se tratava - “tão fora do mundo que era” -, foi, naquele momento, o brasileiro que chegou mais perto de ganhar o Prêmio Nobel de Literatura, perdido, na ocasião, para o peruano Vargas Llosa. “Ele foi um dos finalistas e nem percebeu. O que dói é que ele merecia, está a altura dos grandes poetas do mundo. Seria um Nobel justíssimo”, conta o escritor e membro da Academia Pernambucana de Letras, José Paulo Cavalcanti Filho, que ouviu o caso do próprio Gullar.
Homem múltiplo, o maranhense José Ribamar Ferreira faleceu no último domingo, aos 86 anos. Foi um poeta primoroso e poderia até ter uma obra quase impecável, irretocável, não fosse sua passagem pela literatura de cordel. Na década de 1960, nos Centros Populares de Cultura, achou de começar a escrever esse tipo de poesia. Foi um desastre. “Além de ser muito ruim, era uma poesia panfletária, tinha o objetivo de conscientizar a massa, trazia um conteúdo político, era péssimo”, conta o professor de Literatura Brasileira da Universidade Federal de Pernambuco (UFPE), Anco Márcio.

“Gullar tinha consciência disso e é tão grandioso que, mesmo reconhecendo que aquilo era ruim, nunca renegou, nunca deixou de publicar esses versos de cordel em suas obras completas”.
Parte dos concretistas do Rio de Janeiro, Gullar rompeu com o movimento por discordar do “excesso” de regras. “A poesia concreta chama atenção por um excesso de racionalidade, radicaliza isso, como se existisse quase uma fórmula para se construir o texto”, continua Márcio. Mas para Gullar, poesia é espanto, está num momento, e não teria como ser racionalizada, decantada, purificada a ponto de perder totalmente esse aspecto subjetivo. “Eles (os concretistas) defendiam o fim do verso, como se algo superado, mas ele, não”, comenta Anco Márcio. Mesmo rompendo, em momento algum o poeta abafou essa produção concretista (assim como fez com os famigerados cordéis).

“Você pode tirar daí que ele é um homem que não esconde suas contradições, mas se explica por suas contradições”.
Acessível
A jornalista Erika Valença, especialista em Literatura e fã de Ferreira Gullar, certa vez procurou pelo poeta para falar sobre loucura, mesmo duvidando que ele, que tem um filho esquizofrênico, falaria sobre o assunto. “Uma fonte passou o e-mail dele e avisou: ‘pode ser que ele não fale’. Mas eu pensei que, no máximo, ele poderia dizer um não”, conta Erika. Gullar não só respondeu ao e-mail como falou com ela por telefone. “Eu já havia cumprido meu trabalho por e-mail, aí me deliciei ao perguntar como ele criava. Ele falou sobre espanto, surpresa, o fascínio nas pequenas coisas. O que eu ia querer mais? Quando você é fã, o acessível mete medo também”, conta.
No e-mail à jornalista, Ferreira Gullar falou que o poema “Internação” (Ele entrava em surto/ E o pai o levava de carro para a clínica/ ali no Humaitá/ numa tarde atravessada/ de brisas e falou/ (depois de meses trancado no fundo escuro de sua alma)/ pai, o vento no rosto/ é sonho, sabia?) é “apenas o registro de um momento que efetivamente aconteceu. “Eu tinha ido à clínica buscar meu filho Paulo para trazê-lo pra casa quando, no carro, ele falou aquilo: ‘o vento no rosto é sonho, sabia?’”.
Cortejo

O corpo do poeta, ensaísta, crítico de arte, tradutor e biógrafo Ferreira Gullar ganhou cortejo público pelas ruas do centro do Rio ontem. Parentes e amigos aplaudiram no momento em que o caixão deixou o salão da Biblioteca Nacional em direção à Academia Brasileira de Letras, que fica a 450 metros de distância. O grupo acompanhou o cortejo carregando flores.
Ao chegar, o cortejo foi recebido por uma ABL cheia. O corpo do poeta seguiu para o mausoléu da ABL no Cemitério São João Batista, em Botafogo, na Zona Sul, onde foi enterrado.

 

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