Diário de Alan Rickman, o professor Snape, revela altos e baixos durante gravações de "Harry Potter"
"Uma pequena informação de Jo Rowling sete anos atrás Snape amava Lily me deu um motivo para me prender", escreveu o ator, explicando por que não desistiu do personagem
O diário do ator britânico Alan Rickman (1946-2016), que ficou eternizado como o professor Severo Snape nas adaptações cinematográficas da série literária "Harry Potter", revela seus pensamentos sobre a saga, incluindo o que lhe incentivou a continuar o trabalho mesmo quando pensou em desistir.
Os registros do artista foram reunidos no livro "Madly, deeply: the Alan Rickman diaries" — em tradução livre, "Loucamente, profundamente: o diário de Alan Rickman" — a ser lançado pela Canongate em 4 de outubro, e tiveram alguns trechos publicados pelo jornal The Guardian no último sábado.
Em 4 de dezembro de 2001, por exemplo, Rickman escreveu que conversou com seu agente, Paul Lyon-Maris, sobre a saída de "Harry Potter" e perguntou o que ele achava que aconteceria.
"Mas aqui estamos novamente na área de colisão de projetos. Reiterando não mais HP. Eles não querem ouvir", completou Rickman.
Em 30 de janeiro de 2006, o ator novamente se viu vinculado a seu personagem.
"Finalmente, sim para HP 5. A sensação não é nem para cima nem para baixo. O argumento que vence é aquele que diz: 'Dê uma olhada. É a sua história'", narrou, quando fazia menos de um mês que operou um câncer de próstata.
Leia também
• Famosas se solidarizam com Ludmila Dayer, que agradece: 'Que minha dor traga esperança'
• Filho e ex-marido de Anne Heche disputam controle sobre bens da atriz
• 'Heartland' dedicará nova temporada a Robert Cormier
Em 5 de janeiro de 2006, Rickman foi levado para o hospital. Mais tarde, em seu diário, descreveu aquilo como estar "em um set de filmagem".
"Nada parece real", anotou.
O ator vinha passando desde o ano anterior por um tratamento para uma forma agressiva da doença. Por fim, os médicos optaram por remover toda a próstata. A cirurgia ocorreu no Centro Médico da Universidade de Vanderbilt, em Nashville, no Tennessee, EUA.
Um ano depois, em 27 de julho de 2007, Rickman escreveu em seu diário ter terminado de ler o sétimo e último volume da saga mágica de J.K Rowling, "Harry Potter e as Relíquias da Morte", e destacou o quanto era relevante para a história o personagem que ele interpretava no cinema. Também reconheceu que o segredo da autora compartilhado com ele sete anos antes lhe serviu de impulso para prosseguir com as gravações.
"Snape morre heroicamente, Potter o descreve para seus filhos como um dos homens mais corajosos que ele já conheceu e chama seu filho de Alvo Severo. Este foi um verdadeiro rito de passagem. Uma pequena informação de Jo Rowling sete anos atrás – Snape amava Lily – me deu um motivo para me prender", registrou.
Outras partes das anotações também demonstram que Rickman sentia orgulho de seu trabalho, como no dia 20 de julho de 2007, quando foi à livraria por volta das 23h15 adquirir seu exemplar do último livro. Ele escreveu que tinha imaginado ver umas 20 ou 30 pessoas, mas havia de 300 a 400 se movendo lentamente numa fila. Então relatou que, depois de uma hora esperando, "era a hora de agir".
"Fui para o segurança amigável", contou Rickman, que então perguntou: "Você leu os livros?", mas diante de uma resposta negativa, partiu para a próxima: "Você já viu os filmes?", ao que o segurança disse ter visto "um deles".
"Eu estou neles", revelou Rickman, acrescentando no diário que o funcionário foi então chamar o gerente.
Em seu último dia nas gravações, em 29 de março de 2010, Rickman descreveu como "tudo um pouco difícil de acreditar".
"Acho que até o Daniel [Radcliffe] ficou chocado com a conclusão", completou.
Em 12 de abril de 2006, Rickman notou que a caracterização como professor Snape acabava lhe causando uma sensação de distanciamento perante a equipe, mas então reconheceu que a presença de Radcliffe no set de filmagem ajudava a quebrar essa barreira.
"Eu percebo assim que o anel e o figurino [de Snape] são postos – algo acontece. Torna-se estranho ser tagarela, sorridente, aberto. O personagem me estreita, me aperta. Não são boas qualidades em um set de filmagem. Nunca fui menos comunicativo com uma equipe. Felizmente, Dan [Radcliffe] cumpre esse papel com facilidade e charme. E juventude", explicou.
Outro ponto que se destaca é a percepção do ator veterano sobre o crescimento do protagonista. Em 29 de dezembro de 2008, quando almoçou com Radcliffe, Rickman demonstrou seu espanto no diário: "Um minuto ele tinha 12 anos agora ele tem 19. Quando isso aconteceu?"
"E ele é sensível, articulado e inteligente. E é dono de um apartamento de três quartos em NY", acrescentou.
Isso foi apenas cinco anos depois de reconhecer Radcliffe, então com 13 anos, como um garoto "sério e focado" nas gravações de "Harry Potter e o prisioneiro de Azkaban".
"Ele está tão concentrado agora. Sério e focado – mas com um senso de diversão. Eu ainda não acho que ele seja realmente um ator, mas ele sem dúvida irá dirigir/produzir. E ele tem um apoio tão tranquilo e digno de seus pais. Nada é forçado", escreveu Rickman em 2 de maio de 2003.
Aliás, Rickman não poupou elogios ao terceiro filme da saga. Em 23 de maio de 2004, data que marcou a estreia mundial, ele estava em Nova York e escreveu no diário que Alfonso Cuarón "fez um trabalho extraordinário".
"É um filme muito adulto, tão cheio de ousadia que me fez sorrir e sorrir. Cada quadro é o trabalho de um artista e contador de histórias. Efeitos impressionantes que de alguma forma fazem parte da vida do filme, não acrobacias de exibição", elogiou.
No entanto, nem tudo caiu no gosto do ator. Ainda no início da interpretação como Snape, em 4 de novembro de 2001, quando o primeiro filme de "Harry Potter" estreou nos cinemas, Rickman avaliou que a obra devia ser vista "em tela grande", pois "adquire uma escala e profundidade que combinam com a horrenda partitura de John Williams".
"A festa depois no Savoy foi muito mais divertida", acrescentou.
Outra crítica foi voltada para os três David relacionados aos filmes: os produtores David Hayman e David Barron, e o diretor David Yates. Depois da festa no Museu de História Natural, em Nova York, em 9 de julho de 2009, para comemorar a estreia de "Harry Potter e o enigma do príncipe", Rickman foi direto: "O desejo de comer e ainda mais beber é acompanhado apenas pela necessidade de bater as cabeças dos três Davids contra a parede mais próxima".
"Eu recebo o desenvolvimento do personagem e os efeitos especiais (deslumbrantes), mas onde está a história????", questionou.
Apesar dos pensamentos em largar o projeto, Rickman manteve-se fiel ao compromisso de dar vida nas telonas a um dos personagens mais significativos de "Harry Potter". Em 14 de janeiro de 2002, durante a filmagem de "Harry Potter e a câmara secreta", ele já mostrava-se familiarizado com aquele universo.
"É bom vê-los todos de novo, mas é uma coisa de sonho, como se nunca tivesse parado. E de certa forma, não parou – e não vai…"